As propostas em análise no Congresso que podem intensificar catástrofes como as do RS


Ambientalistas apontam 28 propostas com chances de aprovação que podem aumentar desmatamento e afrouxar as regras de licenciamento ambiental. Propostas podem potencializar eventos climáticos extremos, segundo ambientalistas
REUTERS via BBC
As inundações que deixaram o Rio Grande do Sul em estado de calamidade pública esquentaram o debate sobre propostas em tramitação no Congresso que, segundo ambientalistas, podem intensificar a ocorrência de eventos climáticos extremos.
Monitoramento do Observatório do Clima indica que há 25 projetos de lei e três propostas de alteração da Constituição com potencial para ampliar a destruição ambiental e que podem avançar rapidamente na Câmara dos Deputados ou no Senado.
São tentativas de alterar a legislação brasileira para reduzir áreas de preservação de florestas e outros tipos de vegetação, afrouxar as regras de licenciamento ambiental e mecanismos de fiscalização, ou anistiar grileiros e desmatadores.
Segundo ambientalistas ouvidos pela BBC News Brasil, essas propostas, caso aprovadas, vão intensificar eventos extremos como secas e enchentes, porque o desmatamento de florestas e outras vegetações, associado a outros eventos climáticos como o aquecimento global, afetam o regime de chuvas em diferentes partes do país.
Já os parlamentares que apoiam essas propostas argumentam que as regras de proteção ambiental no Brasil seriam exageradas e rígidas, dificultando o desenvolvimento econômico.
Essas 28 propostas monitoradas pelo Observatório do Clima estão sendo chamadas de “novo pacote da destruição” por ambientalistas.
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Alguns dos projetos foram propostos por congressistas do Rio Grande do Sul, como o PL 1282/2019, do senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), que permite a construção de reservatórios de irrigação em áreas de preservação permanente, como margens de rios. A proposta foi aprovada no Senado em dezembro e agora tramita na Câmara.
Heinze nega que sua proposta ameace o meio ambiente. Na sua avaliação, esses reservatórios ajudarão a reter parte da água das chuvas, evitando cheias de rios em momentos de enchentes, ao mesmo tempo que garantirão abastecimento em tempos de seca.
Seu estado, o Rio Grande do Sul, enfrentou três anos seguidos de estiagem severa, entre 2021 e 2023, com impactos sobre a produção agrícola.
“Então, é o contrário do que dizem (os críticos). Eu te digo que é solução”, argumentou à reportagem, ressaltando, ainda, que sua proposta obriga o produtor a compensar o desmatamento da área de preservação permanente.
O secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Marcio Astrini, contesta o raciocínio do senador. Ele explica que as áreas de preservação permanente incluem vegetações em topos de morros, encostas e beira de rios, que são essenciais para minimizar tragédias ambientais. Quando essa vegetação é desmatada, diz, aumentam os riscos de deslizamentos de terra ou de elevação dos rios, por exemplo.
“Essas áreas não são de preservação permanente à toa. Se você tira a mata ciliar (vegetação nas margens dos rios), você compacta a terra. Quando chove, em vez de a água infiltrar na terra, ela corre direto para o rio, aumentando a enchente”, exemplifica.
“Esse é o tipo do projeto que conversa diretamente com o que está acontecendo agora no Rio Grande do Sul”, reforça.
Astrini acrescenta que nada impede que os produtores construam reservatórios de irrigação em outras áreas da propriedade, mais distantes das margens dos rios.
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EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK via BBC
Outra proposta que preocupa ambientalistas também veio de um parlamentar gaúcho — o PL 364/2019, do deputado Alceu Moreira (MDB/RS), que reduz a proteção dos chamados campos de altitude, associados ou abrangidos pela Mata Atlântica.
A proposta foi aprovada em março na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em caráter terminativo, ou seja, pode ir ao Senado sem passar pela análise dos deputados em plenário.
O texto prevê que qualquer ocupação antrópica (feita pelo homem) anterior a 22 de julho de 2008, ainda que não tenha provocado destruição da vegetação nativa, seja classificada como área rural consolidada, ficando liberada para atividades produtivas.
Com a proposta, o deputado Alceu Moreira buscava atender, principalmente, produtores gaúchos do nordeste do Estado, região conhecida como Campos de Cima da Serra. Na sua visão, a Lei da Mata Atlântica trata os campos de altitude equivocadamente com os mesmos rigores das formações florestais daquele bioma.
“Como consequência, os produtores rurais proprietários de terra nos chamados ‘Campos de Cima da Serra’ estão praticamente inviabilizados na utilização de suas propriedades. Extensas porções de terras não podem produzir, e agricultores que plantam ou criam animais nessas áreas por pura necessidade de sobrevivência acabam sendo autuados e tratados como criminosos”, diz na justificativa do projeto.
Ele sustenta ainda que as atividades nessas regiões seriam de baixo impacto. “A exploração tradicional desenvolvida nos Campos de Altitude tem garantido o desenvolvimento sustentável das regiões em que ocorre, pois mantém boa parte dos atributos naturais desses ecossistemas, sem que se observem grandes degradações. A criação extensiva de gado, por exemplo, evita o adensamento das árvores e ajuda a manter estável a estrutura e a diversidade da vegetação campestre”, argumentou ainda, ao propor o PL.
Já o relatório do Observatório do Clima avalia que o texto aprovado na CCJ “elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais”. Isso teria o impacto de “deixar completamente desprotegidos cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, o que significa desproteger 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares) e 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares), além de quase 15 milhões de hectares na Amazônia”.
Ao criticar a proposta, o advogado Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), ressalta a importância de proteger os diferentes tipos de vegetação.
“Existem biomas no Brasil predominantemente florestais, como Amazônia e a Mata Atlântica, mas os demais biomas também devem ser preservados. O Cerrado, por exemplo, é o berço das águas do Brasil”, afirma, em referência a nascentes e rios da região que abastecem importantes bacias hidrográficas de todo o país, como os rios Xingu, Araguaia, Tocantins, São Francisco e Paraná.
“A sua vegetação (do Cerrado) tem grande importância na saúde dos rios, tanto na qualidade quanto na quantidade de água que abastece a população, o próprio agronegócio e a indústria. Então, estamos falando de vegetação essencial. Não é porque não é florestal que não tem importância”, disse ainda.
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DIVULGAÇÃO/DEFESA CIVIL
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Uma das propostas que mais preocupa o ambientalista é a tentativa de reduzir a área de proteção da Amazônia, cujo desmatamento aumenta a emissão de gases causadores do aquecimento global e afeta o regime de chuvas em diferentes partes do país.
O PL 3334/2023 do senador Jaime Bagattoli (PL-RO) estava previsto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal do Brasil na quarta-feira (8/5), mas teve sua apreciação adiada.
O projeto de lei tenta reduzir a reserva legal (área de preservação obrigatória) em propriedades na Amazônia de 80% para até 50%.
Segundo nota técnica do Ministério do Meio Ambiente, a proposta tem potencial de retirar a proteção de 28,17 milhões de hectares de floresta (281.661 km²), uma área maior do que o estado de São Paulo (248.219 km²).
Para o senador Jaime Bagattoli, a exigência de proteger um percentual elevado das propriedades é injusta e impede o desenvolvimento da região.
“Esse ônus (de preservação) é imposto de maneira desigual entre as regiões do País. Para um proprietário rural de área localizada fora da Amazônia Legal, basta manter 20% da propriedade como Reserva Legal para cumprir a determinação da lei, enquanto que na Amazônia Legal, se a propriedade for coberta com floresta, a legislação exige que a reserva seja de 80%”, crítica, na justificativa da proposta.
“Com a aprovação desta proposta legislativa, esperamos incentivar o desenvolvimento dos municípios amazônicos que já cumprem relevante papel na conservação da floresta, alcançando a almejada sustentabilidade em seu tripé fundamental – ambiental, econômico e social”, diz ainda.
Marcio Astrini, do Observatório do Clima (OC), argumenta que a necessidade de preservar a Amazônia vem de sua grande importância para o equilíbrio ambiental de diferentes regiões. A própria região Norte atravessou uma seca severa em 2023.
“A Amazônia é importantíssima porque a Amazônia distribui chuva para o resto do país. Então, boa parte da plantação que tem no centro-oeste, no sudeste, no sul, ela depende de chuvas que vêm direto da Amazônia”, ressalta.
“As nuvens (das águas que evaporam da Amazônia) batem na Cordilheira dos Andes e os ventos, que chamam alísios, empurram essas nuvens para toda essa região centro-sul do país”, continua.
Para Mauricio Guetta, do Instituto Socio Ambiental, as chances da proposta avançar “são reais”. A votação da última quarta-feira foi adiada devido a uma licença médica do relator do PL, senador Márcio Bittar (União Brasil-AC).
“Esses projetos do pacote da destruição não estão sendo discutidos com calma, com audiências públicas. São projetos que têm sido aprovados no tratoraço”, ressalta.
“O projeto que reduz a reserva legal da Amazônia estava na pauta da CCJ do Senado nesta semana, mesmo diante da tragédia climática do Rio Grande do Sul. Então, há um ímpeto que nem a emergência climática, nem o desastre do Rio Grande do Sul parecem ter força suficiente para compelir esses parlamentares a estabelecer uma moratória nesses projetos de retrocesso”, continuou.
Ao jornal Valor Econômico, o senador Jaime Bagattoli refutou na quarta-feira (8/5) que sua proposta de reduzir a área protegida na Amazônia se relacione com a tragédia no Rio Grande do Sul.
“Não é a primeira vez que acontece algo do gênero, em 1941 também teve cheia”, afirmou.
Sua fala faz referência a uma grande enchente que atingiu Porto Alegre oito décadas atrás, mas não teve o mesmo impacto de destruição como as inundações de 2024, que já causaram mais de cem mortes e colocaram o Rio Grande do Sul em estado de calamidade pública.
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