Psicólogos e psiquiatras se unem para dar socorro aos flagelados e voluntários

Só quem tem uma super força mental e psicológica encontrará alguém desestressado e com a ‘cuca’ fresca nesta enchente. Ricos, pobres, flagelados, desabrigados, desalojados. Acho difícil encontrar alguém blindado contra tudo isso e completamente alheio ao destino do Rio Grande do Sul e de si próprio. Quem não está flagelado também sofre a consequência das chuvas e alagamentos, enfrenta falta de água potável ou água para higienização, luz, Internet, gás.

Estamos todos no mesmo barco. É difícil encontrar alguém afortunado e isento de qualquer dano físico, material e mental. Corpos cansados, dores espalhadas por tudo na luta pela sobrevivência, egoísmo, altruísmo, falta de remédios para amenizar o caos que se instalou nas nossas vidas. É isso que se vê por aí. Quem ajuda os outros, quem sofre com tudo isso, precisa de socorro também.

É bom não ter preconceito contra psicólogos, psiquiatras e psicanalistas. Achar que é coisa de burguês, de rico, de quem tem dinheiro sobrando para gastar com estas abobrinhas, como muitos afirmam, pode ser um caminho errado. Pobres também têm o direito de tratar da cabeça e não só lutar pela comida da próxima refeição.

A Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, por exemplo, está disponibilizando serviço de atendimento on line e gratuito para as vítimas das enchentes, para os profissionais envolvidos no resgate das vítimas e os voluntários. O contato dos interessados deve ser feito através do número (51) 99113-5950. Está certo, é difícil gente carente chegar até eles, mas a disposição de auxiliar a suavizar a tragédia pessoal e material de cada um é grande.

A presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, Miriam Alves, garante que as perdas ocasionadas pelas enchentes – que podem incluir, além de familiares, amigos e animais, espaços como residências, espaços comunitários e culturais, escolas, hospitais, trabalho, igrejas e terreiros – podem impactar a curto, médio e longo prazo o bem estar mental. Todos estes danos afetam profundamente o futuro destas pessoas. ‘Entre as reações emocionais e comportamentais esperadas dessas vítimas, temos a própria tristeza, a angústia, a raiva, o choro, a falta de apetite ou o excesso dele, e a insônia’, disse Alves em entrevista para uma emissora de tevê.

“Não se trata da escuta clínica da qual estamos acostumados, como a psicoterapia. Trata-se do apoio prático, oferecer água, oferecer um lugar seguro para se aquecer, para se sentar, e oferecer comida. São cuidados básicos e que não devem ser feitos de forma invasiva”, exemplifica Alves. Além disso, as crianças que estão vivendo em abrigos devem, à medida do possível, ter a possibilidade de brincar e exercer a criatividade. “É através das brincadeiras que as crianças expressam seus sentimentos de irritação ou frustração e as suas angústias. Isso, inclusive, nos ajuda a entender o que essa criança está necessitando”, afirma.

O psiquiatra e professor da Medicina da Fundação Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Mauro Terra, reafirma o que diz Miriam Alves e alerta que os efeitos psicológicos de uma situação traumática são a ansiedade, insônia, tristeza, desesperança, sensação de impotência, insegurança, medo do que está por vir, dificuldade de concentração, sentimentos de culpa por achar que deveria estar ajudando mais, abuso de álcool e outras drogas.

“É importante evitar o uso de benzodiazepínicos (medicações atuam como tranquilizantes e sedativos, fazendo com que o corpo desacelere o ritmo de funcionamento), pois podem consolidar memórias negativas relacionadas com o trauma.”

Outro psiquiatra, Nélio Tombini, com um histórico de presença nas mídias tradicionais e sociais, está preocupado com a situação dos voluntários de todos os níveis – da pessoa que recolhe ilhados ao que cuida de desabrigados –, pergunta: “Quem vai cuidar da cuca, do emocional dos voluntários quando amenizar a tragédia.” Ele dá uma sugestão: a Psicobreve, a sua clínica, está oferecendo gratuitamente psicoterapia em grupo para até 40 pessoas. Contatos podem ser feitos no e-mail [email protected].

Ele também dá um conselho aos que se emocionam com tudo que estão vendo: “Não se desculpe se você chorar em público. O choro é um contato autêntico e direto com a alma, o emocional. Se o homem chorasse mais, seria mais afetuoso, amoroso, menos agressivo. Talvez, usasse menos álcool e drogas. Chorar faz bem para a saúde mental.”

Não dá para ignorar o que está acontecendo, a situação é mesmo catastrófica. Colocar esses sentimentos em palavras é fundamental para a sociedade. Ajuda a construir pontes e estratégias para minimizar o presente e pensar no futuro. Estamos  vivenciando uma situação que poderá se repetir no futuro se as autoridades não elaborarem planos concretos e duradouros para prevenir enchentes.

* Eugênio Bortolon é jornalista.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.