“Ainda estou aqui”: Uma jornada intensa e sofisticada pela memória e resistência Brasileira

Adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o filme encontra sua força na performance monumental de Fernanda Torres como Eunice, esposa de Rubens Paiva. Eunice é uma personagem que atravessa extremos de dor e resistência, enfrentando a brutalidade de um período sombrio da história brasileira com uma postura firme e, ao mesmo tempo, profundamente humana. Torres apresenta uma interpretação cheia de camadas e minúcias, especialmente em cenas silenciosas e de forte carga emocional, onde cada olhar e gesto revelam uma nova dimensão da personagem.

A excelência técnica da produção é outro ponto de destaque. A fotografia de Adrian Tejido se alterna entre o dinâmico e o estático, criando imagens impactantes com um uso cuidadoso de luz e sombra que reforça o peso dos eventos. A trilha sonora de Warren Ellis complementa o tom melancólico do filme, trazendo à cena músicas marcantes de cada época e que ampliam a imersão no contexto dos anos 1970 e seus desdobramentos até os anos 2000. Essa combinação cuidadosa de imagem e som contribui para uma ambientação crível e sensorial, transportando o espectador diretamente para o universo opressor da época.

A trama se desenvolve em um ritmo que oscila entre o suspense e o drama familiar, com Salles conduzindo a narrativa de forma a ressaltar a gradual perda de liberdade e segurança que a família Paiva enfrenta. A escolha de focar nas reações e vivências pessoais da família, especialmente de Eunice, em vez de apenas retratar a violência física e explícita do regime, adiciona uma profundidade psicológica que humaniza a história sem perder de vista seu tom crítico. Entretanto, essa abordagem focada e extremamente calculada acaba por distanciar um pouco a obra de um apelo emocional mais direto e visceral.

O desfecho do filme busca uma conclusão que reconhece a dor e a luta da família Paiva, e embora seja uma homenagem poética à resiliência de Eunice, deixa a sensação de que a direção de Salles se contém, sem abraçar completamente o peso emocional da história. Ainda assim, o filme carrega uma importância histórica e cultural inquestionável, funcionando como um alerta para as cicatrizes profundas que ainda marcam a sociedade brasileira. A participação de Fernanda Montenegro em uma aparição breve, porém significativa, amplifica o impacto emocional do filme, servindo como uma lembrança do legado de resistência feminina contra as forças autoritárias da época.

Em suma, Ainda Estou Aqui é um filme de enorme relevância e qualidade, que desperta discussões pertinentes sobre justiça e memória histórica. Walter Salles entrega uma obra rigorosa e visualmente impactante, ainda que um tanto reservada na expressão emocional. É uma produção que honra seu tema com respeito e profundidade, deixando para o espectador a tarefa de refletir sobre as consequências do autoritarismo e a luta contínua pela defesa dos direitos e da liberdade. A sofisticação técnica, aliada ao elenco de alto calibre, faz deste um filme poderoso, um convite para revisitar e questionar os momentos sombrios do passado com a intensidade necessária.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.