O conjunto da obra

Não causou espanto a revelação da trama batizada pelos seus autores de “ Punhal Verde-Amarelo “. Foi apenas uma inflexão relevante, destinada a dar desfecho a uma sequência sistemática de declarações e atos que guardavam lógica e coerência entre si para o fim abjeto de uma ruptura da ordem institucional.

Em cada passo, lá está o instinto, o modelo, que remontava aos idos de 1964, quando as forças armadas, aliadas a setores civis, derrubaram o governo democrático, para iniciar um longo e penoso ciclo autoritário e ditatorial de governo. É daqueles idos que vem a inspiração, o conjunto de ideias, a visão de mundo, comum no estamento militar, e que, tendo sobrevivido à sombra todos aqueles anos, desde 1964, ainda tinha fôlego para uma nova aventura.

Desta vez chegaram ao poder pelo voto, porque fizeram a leitura correta do momento nacional, encontraram a mensagem certa, e porque as forças democráticas e de esquerda – do alto de uma posição de suposta superioridade moral – cometeram erros e desvios graves e sucessivos, afastando-se da identidade e do sentimento dos concidadãos brasileiros.

As forças reacionárias, de direita, entretanto, fiéis à sua natureza, queriam mais do que a vitória nas urnas, e não trataram de cultivá-la pelas vias do diálogo nacional, da tolerância com os que pensam diferente, com o respeito às instituições da República. Se dedicaram com afinco e zelo ao uso dos instrumentos do poder para nele permanecer, não mais pelo voto, mas pelos caminhos tortuosos do golpismo.

No poder, se ocuparam de empreender um combate sem trégua aos oponentes políticos. mormente as esquerdas, (mas não só elas), mais do que se empenhar nas ações de governo, no esforço de superar as mazelas que nos atormentam.

Estavam mais preocupados em desabonar as urnas eletrônicas e em provar que as vacinas, invés de curar, faziam mal. Impregnaram o povo com a ideia de que todo cidadão deveria portar uma arma, e o presidente – um homem de maus modos, desbocado, primitivo, destituído de empatia, sem o menor apetite para o trabalho, sem o menor conhecimento do seu ofício – passou quatro anos andando pelo Brasil sobre motos, falando em cercadinhos, açulando mágoas e ressentimentos, trazendo à tona sentimentos de baixa extração.

O que foi divulgado pela PF está na mais estrita consonância com o conjunto da obra, os anos sombrios de Bolsonaro. Se ajusta à perfeição com as críticas raivosas à imprensa, os ataques ao Poder Judiciário, os acampamentos que exalavam o cheiro acre do golpismo em torno dos quartéis, os patriotas de fancaria com suas manifestações alucinantes – palcos de imprecações e impropérios lançados contra todos os que não compactuavam com a nova ordem.

O que foi divulgado combina perfeitamente com o 8 de janeiro de 2023, a intentona golpista levada ao estado da arte, a arruaça extravagante, a rebeldia sem causa e consequência.

De tudo, a investigação da PF tem ao menos um ponto a apreciar: era aquilo mesmo, era tudo de pior que se deveria esperar. Era a barbárie à espreita.

E não havia nome mais adequado para a presepada: Punhal Verde-Amarelo.

 

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