Alpestre (RS) ganha uma Gibiteca Pública

O Brasil de Fato já noticiou as peripécias de Marcel e Marcelli Ibaldo, pai e filha quadrinhistas que desenvolveram a personagem Tê Rex, uma tiranossaurinha adolescente nerd que colocou o nome do pequeno município de Alpestre no roteiro dos principais eventos temáticos e premiações do segmento das Histórias em Quadrinhos. Mas nem só das divertidas micronarrativas do mundo jurássico atualizado para temas que interessam ao público nerd pulsa o ambiente dos quadrinhos no município, de 7.500 habitantes, localizado no Rio Grande do Sul.

Centenas de tiras depois, com três livros da Tê já publicados e disseminados pelo país afora (também do país pra fora) e novidades com previsão de chegada para o primeiro semestre de 2025, a dupla voltou a colocar o nome do município em evidência. Junto com Edson Vargas de Mello, presidente da Associação Amigos das Histórias em Quadrinhos (AHQ), contando com apoio da Prefeitura Municipal, deram materialidade a um projeto sonhado há pouco mais de um atrás, durante a 1ª Feira do Conhecimento realizada no município: uma Gibiteca Pública!

Parece algo simples, mas não é. Basta olhar em volta, pesquisar e vai se descobrir que a iniciativa do trio está entre as pioneiras no estado. Embora o RS tenha forte tradição no desenvolvimento de HQs e seja berço de grandes artistas que se destacaram (ou ainda se destacam) no segmento, são bem poucos os espaços semelhantes construídos, menos ainda os que permanecem ativos, e nenhum nos moldes em que a Gibiteca Pública de Alpestre foi estruturada.


Ato público contou com a presença de autoridades municipais e inúmeros “amigos e amigas” das Histórias em Quadrinhos / Divulgação

Quando foi inaugurada na quinta-feira (19), já fazia alguns dias que o espaço estava informalmente disponível, instalada em uma sala junto ao imóvel da Biblioteca Pública Municipal Padre Romano Dancewicz, e já tinha demonstrado que faria diferença no lugar: os relatos são de que os últimos meses a procura pela Biblioteca era pequena, muito pequena, e com a chegada da nova “vizinha” os visitantes mais que quintuplicaram a presença.

São inicialmente 2.348 obras formando o acervo que conta com quadrinhos nacionais, argentinos (historietas), europeus (fummettis e bandes dessinées), americanos (comics), japoneses (mangás), coreanos (manhwas), bem como farto material teórico sobre HQs, entre outros. O acervo é disponibilizado em sua integralidade para leitura e consulta no local, que está preparado para proporcionar condições de conforto ideais para a leitura e para a realização de encontros e oficinas temáticas, estando apto também para receber mostras e exposições.

Marcel explica que atualmente há bem poucas gibitecas em atividade no RS, e a maior parte delas funciona como um espaço agregado a bibliotecas, muitas vezes contando apenas com uma prateleira com poucas obras. Exceções são as gibitecas existentes em Porto Alegre, Santa Rosa e Pelotas, nenhuma delas, porém operando no mesmo sistema de gestão compartilhada e acesso total como foi estabelecido o espaço de Alpestre.

Associação e a prefeitura dividem a responsabilidade de gestão, conservação e ampliação do acervo, destacando que o espaço não é um anexo da Biblioteca e sim uma instalação à parte, autônoma. Os organizadores explicam, porém, que uma não é concorrente da outra, ao contrário, somam forças para fomentar a leitura, a criatividade e o ativismo cultural. Toda a comunidade e até mesmo os visitantes externos que vêm até o município podem frequentar o espaço, ler as HQs e participar das ações especiais.


Espaço foi preparado para oferecer conforto e praticidade para os leitores / Divulgação

Inauguração movimentou a cidade

Mesmo já recebendo leitores há alguns dias, o ato que formalizou a instalação e inauguração da Gibiteca de Alpestre aconteceu na quinta-feira (19) e reuniu autoridades locais, prefeito, secretários municipais e, claro, os autores e leitores locais que terão a responsabilidade de manter o espaço vivo daqui para frente.

“Essa Gibiteca é o resultado de um sonho, abraçado por inúmeras pessoas. É um presente, da Associação para Alpestre, em parceria com a Prefeitura, Secretaria de Educação e todos que trabalharam para que ela se concretizasse, para as atuais e próximas gerações que terão a oportunidade de conhecer o que é o amor pela arte e pela leitura, em sua mais pura essência”, relatou ao BdF a jovem quadrinhista Marcelli Ibaldo, co-autora da personagem Tê Rex e que já leva suas produções até diferentes espaços, fortalecendo o nome do município como ponto de origem do que tem feito.

“Até por isso, é uma alegria ainda maior ter a primeira exposição com pinturas minhas estreando justamente nesse espaço tão especial, criado para compartilhar arte, entretenimento e cultura através dos quadrinhos”, completa, referindo-se à exposição “Universos Abstratos: Vozes em Aquarela”, que foi instalada no local como atividade paralela ao ato inaugural. Embora outras personagens e diferentes nuances dos trabalhos de Marcelli estejam presentes, é inegável – e um tótem de cerca de 1m50cm com a representação da alpestrense mais famosa não deixa qualquer dúvida a respeito – que as personagens do universo nerd jurássico de Tê Rex demarquem o local.


A escadaria e o corredor de acesso foram preparados para receber exposições / Divulgação

Marcel Ibaldo – a contraparte na autoria de Tê Rex e também pai de Marcelli – fez referência à Feira do Conhecimento, quando a ideia da gibiteca começou a ser delineada. “Conhecimento é uma coisa enérgica, transformadora, conhecimento gera conhecimento”, afirmou. A lembrança daquele evento, de ano e pouco atrás, onde o estande da AHQ estava repleto de crianças interagindo com os poucos títulos que a associação tinha até então – crianças e jovens, lendo, sem telas, sem celulares. “Estávamos surpresos com o que estava acontecendo, percebemos que esse era o efeito que as Histórias em Quadrinhos podiam obter nos jovens, eles ficavam horas lendo, buscando o espaço para ter acesso a mais um quadrinho”, lembrou.

“Se estava acontecendo um espaço tão legal na Feira do conhecimento, quanto mais legal seria se existisse um espaço permanente, maior?”, conjecturou Marcel lá, na Feira, despertando o interesse do presidente da AHQ, Edson. Logo a ideia foi apresentada para a associação e todos envolveram-se de alguma forma. Na sequência aconteceu a adesão da Secretaria Municipal de Educação e da Prefeitura Municipal, para logo iniciar a mobilização pela busca do acervo, que recebeu doações de editoras e colecionadores de todo o país. E o resultado está ali, de portas abertas e recebendo visitas diárias de crianças, adolescentes e adultos, tanto daqueles que já tem o hábito de leitura formado, quanto daqueles que estão em formação.

Valdir José Zasso, prefeito de Alpestre, destacou que a Gibiteca representa “mais um avanço que o município tem na área da Cultura”. Agradeceu aos envolvidos no projeto e afirmou considerar um privilégio ver essa ação ser realizada no seu período a frente do Executivo municipal. Já o Secretário Municipal de Educação, Günter Ianssen, comentou que o interesse da população pelo acervo da Biblioteca Pública estava decaindo, fato que foi revertido a partir da instalação da Gibiteca, na sala vizinha. “As pessoas envolvidas neste projeto estão contribuindo muito com a Cultura e a Educação de Alpestre. A leitura é o que pode ajudar a libertar um pouco as crianças e jovens dos excessos dos meios tecnológicos”, comentou.


Público presente na inauguração já aproveitou para colocar a leitura em dia / Divulgação

Outras gibitecas no estado

O modelo adotado pela Gibiteca da Biblioteca Pública do Estado do RS (Rua Riachuelo, 1190 – Centro Histórico, Porto Alegre), onde o segmento está instalado em sala à parte do restante do acervo é o que mais se aproxima e até mesmo inspira a experiência que iniciou em Alpestre. Conforme o site da BPE, são cerca de 8.000 títulos a disposição dos leitores para consulta e leitura local.

Em Santa Rosa a Gibiteca está instalada dentro da Biblioteca Pública Municipal Olavo Bilac, funcionando como um setor anexo e gerido pelo mesmo sistema que controla o restante do acervo. As HQs também são disponibilizadas para consulta e leitura local. Não há informações sobre a quantidade de títulos disponíveis.

Já na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) a Gibiteca funciona como um projeto de extensão, vinculada ao Instituto de Ciências Humanas, na Linha de Extensão voltada ao Patrimônio cultural, histórico e natural. Conta com cerca de 4.000 títulos e está instalada junto ao Núcleo de Documentação Histórica, no Instituto de Ciências Humanas (Rua Alberto Rosa, 154).

Em Alpestre, além da estrutura adequada para guardar e compartilhar as HQs e oferecer conforto aos leitores, o local também receberá oficinas de ensino quanto a produção de histórias em quadrinhos, além de encontros literários com debate e apreciação às diversas correntes e escolas mundiais de produção de arte em quadrinhos. A Gibiteca encontra-se no Centro de Cultura de Alpestre, anexo à sala da Biblioteca Municipal, na Rua Frederico Westphalen 333, Centro de Alpestre/RS. O horário de funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira, de 7h30 às 11h30, e das 13h às 15h.


Tê Rex, Marcelli e Marcel dando as boas vindas aos visitantes da Gibiteca / Divulgação

Dez anos de Tê Rex

Em suas redes sociais, Marcelli fez referência ao “aniversário” da personagem Tê Rex, que em 2024 completou 10 anos de existência: “Eu tinha só 7 anos quando meu pai me convidou pra esse projeto, então nem fazia ideia de que poderia alcançar tanto. São três livros lançados com destaque em tantas premiações e participações em eventos. Ser lida por tantas pessoas e evoluir no processo. Conhecer tantos dos artistas que admiro e me inspiram, e por isso tudo agradeço demais”.

A personagem surgiu porque Marcel queria passar mais tempo com a filha, ajuda-la a desenvolver sua arte e a encorajar a amar ainda mais a leitura. “Bom, já faz 10 anos. E pra comemorar, o que seria melhor do que um presente? Não só pra nós, mas pra todo mundo! Nos dedicamos no último ano a criar algo que traga o mesmo significado que a Tê sempre buscou passar nas páginas e livros, de transmitir o amor pela leitura e mostrar que não tem nada esquisito em curtir HQs.”

Marcelli define a Gibiteca como “um local totalmente voltado pro que a gente gosta tanto, que é ler quadrinhos à vontade sem ser julgado por isso”. A jovem quadrinhista define o espaço como um legado para as pessoas envolvidas em sua construção, mas também para qualquer leitor que entre na sala e, mais importante, deixe-se entrar no espaço mágico da leitura.

Com tais características – pública, instalada em espaço autônomo, gerida por uma associação – a Gibiteca de Alpestre é ímpar. Não tem nenhuma equivalente no RS. No país, bem poucas. Mas se formos colocar um outro detalhe como ponto de espelho, esse “ímpar” fica ainda mais expressivo: será que há alguma outra gibiteca amadrinhada por uma tiranossaurinha nerd? Assim a Tê também resolve um de seus maiores dilemas: o espaço para guardar as HQs que tem comprado, trocado ou ganhado pelo país afora nas ComicCons e eventos assemelhados. Vida longa à Gibiteca de Alpestre (ou seria mais correto escrever… “vida longa à toca da Tê-Rex?)


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