Descontrole da polícia ao atirar faz de todos os brasileiros vítimas indefesas

O descontrole com que policiais têm agido nas ruas e estradas brasileiras causou mais uma tragédia. Desta vez, na véspera do Natal. Juliana Leite Rangel, de 26 anos, foi baleada na cabeça durante abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na Rodovia Washington Luís (BR-040) em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

A jovem estava a caminho de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, para cear com a família. Seu pai, Alexandre Rangel, baleado na mão esquerda, contou ter dado sinal com o pisca-pisca de que encostaria o carro depois de ouvir a sirene da viatura, mas, segundo afirmou, os policiais já saíram atirando. A Corregedoria-Geral da PRF determinou o afastamento preventivo dos agentes envolvidos na ação.

Casos como o de Juliana têm se tornado uma rotina frequente, que não pode ser tolerada num país civilizado. No dia 6 de outubro, Francisca Marcela da Silva Ribeiro, de 33 anos, foi morta no Ipiranga, Zona Sul de São Paulo, numa troca de tiros. Um policial de folga chegou no momento em que bandidos roubavam a motocicleta em que ela estava com o noivo e também atiraram quando não deviam. Francisca tinha casamento marcado para 20 dias depois e foi velada com o vestido de noiva.

Mesmo quando policiais reagem a ataques de bandidos, são infelizmente frequentes choques que resultam em mortes. Na semana passada, um PM de folga reagiu a um assalto e matou um bandido em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. No dia 5 de novembro, a vítima foi o menino Ryan da Silva Andrade, de 4 anos, morto durante confronto no Morro São Bento, em Santos. Tais dramas humanos têm contribuído para aumentar as estatísticas da letalidade policial no Brasil.

No país como um todo, a taxa de mortes provocadas pela polícia se manteve em 3,2 por 100 mil habitantes em 2023, de acordo com o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Em alguns estados, o problema é crônico — caso de Amapá e Bahia, que registram os piores índices. Noutros, como São Paulo, a situação tem piorado. Segundo levantamento da Rede de Observatórios de Segurança, houve alta de 21,7% nas mortes por agentes da segurança paulista em 2024. As 673 mortes registradas até novembro deste ano já superam os registros dos três anos anteriores.

O Estado do Rio registrou queda de 52% de 2019 para 2023, quando houve 871 vítimas. Mas ainda está longe de padrões aceitáveis, segundo estudo do FBSP feito para medir o impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal que restringiu operações policiais em comunidades da capital fluminense. A taxa fluminense, 5,4 mortes em confronto com a polícia por 100 mil habitantes, está acima da média nacional — e casos como o de Juliana sugerem que isso resulta de erros gravíssimos no treinamento e no comportamento dos agentes da lei.

É da natureza do trabalho da polícia a prontidão para entrar em ação a qualquer momento, dado que bandidos atacam de surpresa. Mas isso não pode ser feito de forma indiscriminada. É crucial o respeito aos protocolos que protegem a vida de inocentes e evitam mortes desnecessárias de bandidos. A persistir o descaso que parece imperar em certas corporações policiais, muitas outras famílias chorarão por seus mortos e feridos não apenas na noite de Natal, mas o ano inteiro. (Opinião/Jornal O Globo)

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