Justiça determina aquisição de área para aldeia do povo Mbyá-Guarani impactada com a enchente

Oito meses após o maior desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul, a Justiça Federal determinou, em decisão liminar nessa segunda-feira (13), que o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT) viabilize a aquisição de terras e a construção de casas e escolas para a aldeia Tekoa Pekuruty, do povo Mbyá-Guarani. Em maio do ano passado a Comissão Guarani Yvyrupa denunciou destruição de aldeia evacuada por conta da enchente.

Localizada Eldorado do Sul (RS), município fortemente atingido pelas enchentes de maio, a aldeia, além de sofrer com as fortes chuvas, também teve seu território impactado por uma ação do DNIT na BR-290. O Departamento informou no processo que precisou remover os escombros da aldeia durante as operações emergenciais para a retomada da comunicação rodoviária.

A decisão da liminar é resultado de duas ações coletivas, ajuizadas pela Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF), em julho do ano passado, na qual se pleiteia a reparação, à comunidade indígena, dos danos materiais, morais e coletivos causados pela ação do departamento.

De acordo com a DPU e o MPF, houve a implantação de quatro galerias pluviais na rodovia com o desvio do curso d’água, que passa atualmente no local onde ficava a escola e algumas moradias. Além disso, o restante da área foi coberta por pedras. Com isso, o retorno dos indígenas ao local em que anteriormente o acampamento estava situado ficou impossibilitado.

Conforme pontua a juíza Paula Weber Rosito, que deferiu o pedido da liminar, “são fatos incontroversos que a aldeia Pekuruty foi atingida pela enchente e que, em razão do seccionamento da rodovia próximo ao local, o DNIT precisou fazer obra emergencial, removendo parte da estrutura da aldeia, havendo controvérsia em relação a quanto foi destruído pela enchente e/ou pelo DNIT”. 

A magistrada observa que o Componente Indígena Mbyá-Guarani do Plano Básico Ambiental (CI-PBA) da obra de duplicação da BR-290, que está aprovado no âmbito do processo de licenciamento, já previa a realocação da comunidade.


Desde o ano passado a DPU tem feito visitas e auxílio para comunidade / Foto: Foto: DPU/Divulgação

A magistrada solicita que o DNIT apresente, no prazo de 15 dias, uma proposta de calendário para cumprimento da medida. Esses prazos serão acordados com a DPU e o MPF em uma audiência a ser realizada em 19 de fevereiro. A juíza reforça para que o departamento não aguarde a fixação dos prazos para dar andamento ao cumprimento inicial da tutela quanto à contratação da empresa para implementação do CI-PBA. 

“Em que pese o DNIT refira que o processo esteja em fase de contratação de empresa para a sua implementação, a realização da obra emergencial que impossibilitou a permanência da aldeia no local criou uma urgência que deve ser considerada”, ressalta a magistrada em trecho da decisão. 

Em nota enviada ao Brasil de Fato RS, em maio do ano passado, o DNIT informou que as edificações afetadas seriam reconstruídas em área segura e previamente aprovada pela referida comunidade e pela Funai, conforme previsto no Plano Básico Ambiental Indígena das obras de duplicação da BR-290/RS. 


Aldeia teve casas e a escola indígena destruídas / Foto: Arquivo Pessoal

Vulnerabilidade

Localizada às margens de BR-290, a aldeia foi provisoriamente reconstruída em local mais próximo da rodovia com apoio da Comissão Yvyrupa e das entidades indigenistas. De acordo com o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, Roberto Liegbott, atualmente há cerca de seis famílias no local, as demais acabaram migrando para um terreno doado, de modo provisória, pela prefeitura de Eldorado do Sul. Vivendo em uma situação de absoluta vulnerabilidade, conforme destaca o coordenador, as famílias reivindicam a demarcação do território há décadas. 

A situação de vulnerabilidade da aldeia é confirmada pelo defensor regional de Direitos Humanos (DRDH) da DPU do Rio Grande Sul, Daniel Cogoy. “Sou defensor público há há vários anos. Trabalho com questões indígenas já tem um tempo e é uma das piores situações que eu vi no meu trabalho. A gente viu os escombros da antiga aldeia. (…) Eles perderam as casas, os bens pessoais. Tinha uma escola que tinha um painel de energia solar que fornecia energia para a aldeia. Tudo isso foi perdido”, conta ao Brasil de Fato RS.

Além das perdas materiais, o defensor também pontua sobre a perda ligada à questão cultural/espiritual. De acordo com relatos da comunidade, no local eles cultivavam a tradição da cultura guarani, com o cultivo e o plantio. “Eles dizem que as sementes são sagradas. Eles tinham ervas medicinais, plantas medicinais. Também cultivavam milho, que tem um significado sagrado para eles também. E tudo isso foi destruído na ocasião. Então é uma perda material e também um sofrimento espiritual pelo qual eles passam”, relata Cogoy.

Segundo expõe o defensor, atualmente a comunidade indígena está próxima ao local onde ficava a aldeia, em casas construídas de forma precária e sem luz. “Eles estão muito expostos ali. Eles perderam a privacidade em razão da proximidade maior com a rodovia, com o tráfego de carros. Tem muito barulho onde eles estão, tem risco de atropelamento. As crianças precisam se deslocar para ir à escola. É uma região que não tem sombra, e eles perderam o acesso às ervas medicinais e às plantas que também são muito importantes para eles.”


“Eles estão muito expostos ali. Eles perderam a privacidade em razão da proximidade maior com a rodovia, com o tráfego de carros. Tem muito barulho onde eles estão, tem risco de atropelamento” / Foto: Arquivo Pessoal

Reparação 

Conforme destaca o coordenador do Cimi, a ação foi proposta em função da destruição, na época da enchente, da aldeia do Pekuruty. “A Justiça Federal, para além de discutir esse fato violento, ao julgar a demanda, determinou que se cumpra o Componente Indígena do Plano Básico Ambiental, aprovado no ano de 2017, visando uma compensação à comunidade pelos impactos da duplicação da BR-290”, expõe.  

Dentre as obrigações contidas no CI-PBA está a aquisições de uma área de terra, de aproximadamente 300 hectares, pelo DNIT, com o objetivo de assentar as famílias. O subprograma de reestruturação dos núcleos habitacionais do CI-PBA indica que caberá ao departamento a construção de casas na área adquirida, tanto de alvenaria quanto provisórias de madeira, além de uma escola.

Para Liegbott, a decisão é importante porque visa cumprimento de um acordo entre DNIT e a comunidade. “Ela assegura aos indígenas um direito que estava sendo relativizado, o de viverem longe dos perigos de uma rodovia, às vidas e ao modo de ser Mbya Guarani. Além do que, a justiça busca reparar, mesmo que materialmente, uma grave agressão à comunidade, quando sem qualquer consulta, destruíram a sua tekoa-aldeia.”

Na avaliação de Cogoy, independente da ação do DNIT ser ou não justificada, há obrigação, por parte do Governo Federal, de indenizar e de dar assistência para essa comunidade. “E se ao longo da ação ficar provado também que houve um excesso, uma ilegalidade, um abuso na prática do departamento, então terá que haver uma reparação de dano moral e dano moral coletivo. Isso é o que estamos discutindo na ação e que vai ser comprovada ao longo do processo. E tem uma situação ali que é emergencial, e é nesse sentido a liminar, buscar soluções emergenciais para melhora um pouco a qualidade de vida dessa comunidade, que eles possam ter luz, possam ter uma situação de moradia melhor, que possam ter mais segurança, e conforto do que eles têm hoje.”

* Com informações da Assessoria de Comunicação Social da Defensoria Pública da União.


 
 

 

 

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