Veja mensagens achadas pela PF sobre desvios em emendas para hospital

A operação da Polícia Federal (PF), deflagrada na quinta-feira (13/02), que mirou emendas parlamentares enviadas ao hospital Ana Nery, no Rio Grande do Sul, teve como principais provas mensagens trocadas entre os alvos.

Um dos alvos foi um assessor do deputado Afonso Motta (PDT-RS),parlamentar que destinou ao menos R$ 1 milhão para o hospital.

As conversas foram encontradas em uma outra investigação e deram origem à operação Emendafest,autorozizada pelo ministro Flávio Dino.

As mensagens mostram conversas entre o assessor de Motta, Lino Furtado, e o lobista Cliver Fiegenbaum, que seria um captador de recursos para o hospital gaúcho.

As conversas, segundo a PF, foram iniciadas em novembro de 2023 e tratavam do direcionamento de emendas parlamentares para o hospital.

No celular de Cliver, apreendido em março de 2024, também foram encontradas notas fiscais emitidas pela CAF Representação e Intermediação de Negócios por serviços prestados ao hospital.

O objeto das notas, segundo a PF, era a “captação de recursos através de indicações de emendas parlamentares”.

Como mostrou a coluna, no contrato entre o hospital Ana Nery e a CAF, está uma cláusula de contrapartida pela prestação de serviços que previa um repasse de 6% sobre os valores captados.

Veja as mensagens

O primeiro contato entre Cliver e Lino é datado de 8 de novembro de 2023. Nele, Cliver se apresenta, narrando a sua ocupação bem como seu histórico no serviço público, e afirma que tem “um assunto interessante, legal, mas tinha que ser tratado pessoalmente.”

De acordo com a PF, é a partir dessa conversa que três recursos do gabinete do deputado Afonso Motta foram enviados ao hospital Ana Nery.

Um deles foi em 28 de novembro de 2023, no montante de R$ 200 mil, e outro no mesmo valor no dia seguinte, em 29 de novembro. Ainda segundo a PF, há um terceiro repasse de R$ 670 mil em “recursos discricionário RP2”.

A PF afirma que as emendas tiveram seus beneficiários alterados após conversas entre Cliver e Lino.

A corporação narra que em 28 de novembro de 2023, depois de duas ligações entre os interlocutores, Lino envia um documento para Cliver. Seria um ofício assinado por Motta, endereçado ao Ministério da Saúde, solicitando a troca de beneficiário de uma das indicações de R$ 200 mil.

“O ofício solicita que o beneficiário deixe de ser o Fundo Municipal de Saúde São Miguel das Missões/RS e passe a ser o Fundo Municipal de Saúde de Santa Cruz do Sul/RS.”, diz a PF.

Já no dia seguinte, em 29 de novembro de 2023, Lino envia novo documento a Cliver, igualmente assinado por Motta e endereçado ao Ministério da Saúde, solicitando a troca de beneficiário da segunda emenda de R$ 200 mil.

De acordo com a investigação, o ofício solicita que o beneficiário deixe de ser Fundação Universitária de Cardiologia e passe a ser o Hospital Ana Nery Santa Cruz do Sul/RS.

Já em 10 de janeiro de 2024, em um áudio obtido durante a investigação, Cliver aparece falando, de acordo com a PF, sobre valores e pagamentos que seriam efetuados em favor de Lino.

O áudio é descrito pela corporação como “revelador”, uma vez que indicaria que o assessor do parlamentar receberia valores relacionados a emendas.

“Os pequenos eu posso complementar e botar mais 10 em cima. Pra tu confiar na parceria e eu quero continuar com a tua parceria ano que vem”, diz Cliver no aúdio.

Ainda, ele afirma que era “400, faltou 15, te levo mais, mais 25”. Os repasses, segundo o áudio, seriam para não “estragar a parceria”.

“Isso eu tenho do meu, aí eu nem envolvo ninguém, porque eu não quero estragar a parceria e tu vai ver que nós não vamos ratear contigo”, diz Cliver em áudio.

Para a PF, o áudio mostra que a parceria entre os dois, firmada em 2023 com a promessa de envio de emendas, “executada (e em andamento) em 2024”, estaria com a promessa de continuar no ano seguinte, ou seja, em 2025.

Mais adiante, em 15 de janeiro de 2024, Lino envia um novo documento a Cliver. Segundo a PF, era um ofício, assinado pelo deputado Afonso Motta, encaminhando a indicação dos recursos discricionários, endereçado ao hospital Ana Nery, no valor de R$ 670 mil.

“Ante o exposto, verifica-se que o Gabinete do Deputado Federal Afonso Motta direcionou, pelo menos, R$ 1.070.000,00 (um milhão e setenta mil reais) para o hospital Ana Nery”, diz a PF.

Vantagens a servidores do hospital

Além das conversas entre Lino e Cliver, a PF também detalha diálogos que envolvem fucionário do hospital Ana Nery, que teria recebido vantagem indevida.

Em 4 de março de 2024, Leandro Diedrich, analista financeiro do hospital, envia um áudio para Cliver solicitando sua ajuda. Segundo a PF, seria um pedido sobre como “lavar dinheiro”.

“Cara, deixa eu mudar um pouco de assunto, tu que é mais cancheiro nessas coisas e isso até já conversei com o Celcio [diretor financeiro do hospital] também e tal, ele também se preocupa um pouco com essa questão aí do que nós comentamos né, dos dinheiros e tal”, afirma.

Leandro comenta que o salário é menor do que o ganho real (o qual inclui a porcentagem das captações, segundo a PF) e diz que “ficaria igual meio suspeito” viver a vida apenas com “dinheiro vivo”, que teria interesse em adquirir um terreno, mas que não saberia como declarar o bem.

A resposta de Cliver, diz a PF, foi apagada. Contudo, na continuidade da conversa Cliver fala que “se o Celcio estiver disposto a perder um pouco de imposto também, arrumo mais uma pra ele também”.

“Com base no restante da conversa, sugere-se que uma das possibilidades para ‘lavagem’ de valores seria por meio da emissão de Notas Fiscais”, afirma a corporação.

Cargo em comissão

Dias depois, em 7 de março de 2024, Cliver envia novo áudio a Lino pedindo um cargo em comissão para sua esposa. Em contrapartida, Cliver diz que poderia retornar parte do salário. No início da fala, ele sugere ao interlocutor que depois apague o áudio.

“E ela te devolve metade dessa SP, metade do dinheiro retorna integral para vocês”, diz Cliver.

Lino, então, responde Cliver com um áudio. “Cliver, amanhã nós conversamos e te explico como é que funciona essas questões aí, tá? Mas amanhã eu falo pessoalmente contigo. Nós conversamos sobre essa questão. Um abraço.”

Menos de uma semana depois, em 11 de março, Cliver envia outro áudio para Lino, solicitando informações sobre o cargo comissionado da esposa. Ele aproveita para perguntar sobre as emendas parlamentares negociadas por ambos.

Defesa

Na noite de quinta-feira, o deputado Afonso Motta fez um pronunciamento à imprensa depois de sair de uma reunião com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ele estava fora de Brasília quando a operação foi deflagrada.

O deputado negou envolvimento no caso e pontuou que “em momento algum” ele aparece como investigado, e que o procedimento com relação às três emendas investigadas seguiram “os rituais”.

Afonso Motta diz ainda que deve demitir o secretário parlamentar, que está afastado, mas que ainda não teve oportunidade de conversar com o funcionário.

O deputado também afirmou que acompanha as indicações das emendas. “Eu nunca tive nenhuma relação que tivesse essa natureza ou esse tipo de envolvimento. Sempre com muita consideração e sabendo da necessidade desses hospitais, nós fizemos a indicação dessas emendas”, declarou.

A coluna entrou em contato com Cliver Fingenbaum, que confirmou a cláusula de comissão de 6%, mas negou qualquer tipo de irregularidade na prestação de serviços.

Ele disse que foi pego de surpresa com as acusações de que estaria envolvido com propina.

“Eu acho que o termo usado, propina, não está correto. O contrato é público, tem emissão de nota fiscal, declaração de imposto de renda. Ele é a título de compensação de trabalho. Eu realmente estou surpreso por esse termo de propina”, afirmou.

Segundo ele, seu trabalho se resumia em conversar com deputados para apresentar as necessidades do hospital.

Ele diz que no momento oportuno, irá disponibilizar as suas contas e de sua empresa para que a investigação possa comprovar que não houve irregularidades na prestação do serviço ao hospital.

“Volto a insistir: não teve negociação nenhuma com deputado”, afirma.

Cliver também disse que não mantinha nenhuma relação pessoal com Lino e que o conheceu “na andança de procurar deputados” e que falava com ele durante suas visitas a Brasília sobre a necessidade de emendas para o hospital.

Sobre a troca de beneficiário das emendas, Cliver afirma que quando chega a hora de emprenhar o valor, pode acontecer de algumas instituições terem problemas de falta de documentação e a amenda acaba realocada.

“Isso não é uma novidade, não é uma surpresa. Não tem absolutamente nada de mais nisso”, afirmou à coluna.

Quanto a sua conversa com Leandro Diedrich, Cliver diz que conhece Leandro do hospital, mas “nada particular”, e nega que teria ajudado o funcionário com “lavagem de dinheiro”.

Já Leandro, também questionado pela coluna, disse que as conversas com Cliver “não tinham absolutamente nada a ver com a questão das emendas” e que isso foi “misturado nos inquéritos”.

Ele afirma que mantém conversas com Cliver, mas que no caso específico citado foi um episódio em que pediu orientação sobre “como proceder para modificar o meu tipo de pessoas jurídica”.

Em nota, o hospital Ana Nery disse que a instituição tomou conhecimento “com surpresa” da operação EmendaFest e que, desde então, tem colaborado com as autoridades, ” fornecendo prontamente todos os documentos solicitados e colocando-se à disposição para contribuir com o esclarecimento dos fatos”.

“O Hospital Ana Nery reitera seu compromisso com a ética e a legalidade e seguirá colaborando com as investigações para que sejam conduzidas com a máxima celeridade e transparência”, afirmou.

A coluna não conseguiu contatar Celcio ou o assessor parlamentar Lino Furtado.

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