Venezuela: familiares de presos políticos denunciam comida estragada e outras violações

Presa desde o dia 29 de julho, quando protestava contra a reeleição do presidente Nicolás Maduro, a ativista Rosemery Gómez, 25 anos, permanece em um centro de detenção para mulheres na cidade de Los Teques, na Venezuela. A mãe só foi autorizada a visitá-la duas semanas depois e ouviu da filha o relato de uma rotina insalubre: comida estragada, água suja e outras violações de direitos humanos.

“Eles não são animais”, protestou a mãe a um jornal do país. “Não é justo que estejam confinados pelo simples fato  de protestarem pacificamente contra algo do qual discordam.” Conforme a reportagem, a manifestante é acusada de crimes como terrorismo, incitação ao ódio, resistência à autoridade e perturbação da ordem pública.

Desde que Maduro foi proclamo vencedor das eleições pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), em mais um resultado contestado pela oposição (liderada por María Corina Machado) e parte da comunidade internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que ao menos 2,4 mil pessoas teriam sido detidas durante manifestações.

O mais recente balanço da organização não governamental (ONG) Foro Penal contabiliza 1.406 pessoas presas. Destas, 185 são mulheres.

Rosmery é mãe de duas meninas, uma de 6 anos e outra de 8. Com ela também estava um primo de 18 anos, transferido para o centro de reclusão de Yare, no Estado de Miranda. Ambos trabalhavam em uma pré-escola.

Para a avó das crianças, um dos aspectos mais difíceis da prisão da filha é não saber como explicar às garotas o que aconteceu: “Dói dizer que não sei se a mãe delas voltará pra casa. Não desejo isso a ninguém. É a pior coisa que pode acontecer a uma mãe, tia, avó ou qualquer familiar”.

Prantos

A dor e indignação também são compartilhadas pela mãe de Adrián Torrealba, 16 anos. Aos prantos, a mãe contou ao jornal Voz da América que o filho, aluno do Ensino Médio e que alega inocência, não participava das manifestações contrárias ao regime: “Ele apenas caminhava em uma rua da capital, Caracas, quando foi detido por um grupo de policiais, sem qualquer prova”.

Adrián, por sua vez, ficou sem ver a mãe durante oito dias. Passou muitas noites acordados em sua cela escura, dentro de uma instalação policial, sem ventilação e ao lado de presos maiores de idade. Transcorridas duas semanas, ele ainda não sabia quem seria o seu defensor público e sequer do que é acusado.

Situação parecida ocorreu com a jovem Victória Morrillo, de mesma idade. A adolescente, que integra a orquestra sinfônica de sua cidade e sabe tocar quatro instrumentos, foi detida no último dia 29. Segundo a mãe, a garota havia saído para passear com um primo e acabou em uma prisão. A mãe clama agora às autoridades pela liberação da filha, a quem define como “uma menina muito nobre, empática e humanitária”.

Dentre os mais de mil presos registrados pela ONG Foro Penal, 117 são adolescentes (segundo a lei venezuelana, pessoas entre 13 e 17 anos). De acordo com a ONG Victims Monitor dos 23 mortos (o procurador-geral venezuelano, William Saab Tarek, fala em 25), um se enquadra nessa faixa etária. Ele foi identificado como Isaías Fuenmayor, 15 anos, baleado durante protesto em Zulia, também no dia 29. Segundo relatos da imprensa local, ele não participava de manifestações.

O jornal “La Patilla” também menciona uma adolescente grávida entre detidos: Mérida, 16 anos, teria sido ameaçada pelos soldados da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), que afirmavam: “Vamos fazer você abortar, para que não tenha filhos terroristas!”.

Crítica à detenção de menores

Muitos defensores de direitos humanos têm criticado as acusações contra adolescentes perante tribunais dedicados para lidar exclusivamente com crimes de terrorismo, a recusa de advogados privados ou de confiança, a falta de comunicação com suas famílias e as transferências para prisões comuns.

“A grande maioria dos 118 ainda está privada de liberdade por crimes como instigação ao ódio e terrorismo, apenas alguns foram libertados, incluindo a menina grávida de Mérida”, detalha o presidente da ONG Foro Penal, Alfredo Romero. “São pessoas de muito baixa renda. A maior parte deles foram detidos porque estavam nas ruas, passando pela manifestação ou protestando pacificamente”.

O coordenador de Cecodap, organização que atua desde 1984 na promoção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes na Venezuela, Carlos Trapani, aponta a existência de um “padrão” de criminalização das ações de protestos no país. Ele reivindica o direito de todos os cidadãos, em qualquer idade, de expressar sua opinião de maneira pacífica e destaca que é dever do Estado garantir esses direitos.

Trapani alerta que, no caso de adolescentes, os períodos de apresentação em tribunal devem durar “não mais de 24 horas”. O ativista também descreve a falta de comunicação entre presos e familiares ou advogados como um “tratamento cruel e desumano”.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.