Inundações no RS: as três ondas de doenças previstas

As chuvas e as inundações que arrasaram o Rio Grande do Sul afetaram milhões de pessoas, deixaram centenas de milhares de desabrigados e causaram pelo menos 143 mortes. Em termos de saúde pública, as consequências do evento climático continuarão por muito tempo e exigirão todo um planejamento das autoridades e dos profissionais da área.

Segundo evidências colhidas a partir de outras grandes enchentes que ocorreram no mundo em anos recentes, a tendência é de um aumento importante nos casos de diversas doenças infecciosas, como diarreias, problemas respiratórios, leptospirose, hepatite A e dengue.

Essas enfermidades virão em ondas, de acordo com o tempo de incubação de vírus, bactérias e outros patógenos e também devido ao tipo de exposição de risco que as pessoas envolvidas na tragédia tiveram e terão daqui em diante.

O primeiro contato com a água. Muitas também precisaram sair de suas casas a nado, e, nesse processo, tocaram ou ingeriram a matéria orgânica que subiu de bueiros, valas e esgotos. Esse contato se dá por meio da pele, das mucosas e da boca, pela ingestão acidental desse líquido.

Além disso, alguns indivíduos se feriram em pedaços de vidros, madeiras e outros materiais cortantes — o que também abre novas portas de entrada para patógenos no organismo.

O infectologista Alessandro C. Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia, alerta que quem teve contato com esses líquidos corre um risco maior de adoecer. Passados os primeiros dias após o pico das inundações, é preciso se preocupar com as doenças infecciosas que muitos contraíram durante esse processo — o que nos leva à onda número um.

Pneumonias

Nos primeiros dez dias após o evento climático, as doenças que mais aparecem são as infecções de pele, as pneumonites ou pneumonias por aspiração, as infecções respiratórias virais e as gastroenterites (a popular diarreia).

O infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, professor da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, explica que muitos desses quadros estão ligados ao contato com a água contaminada. Os mais vulneráveis a essas infecções intestinais são as crianças muito pequenas e os mais velhos, grupos que merecem uma atenção especial para evitar quadros extremos de desidratação.

As infecções de pele também estão relacionadas a esse mesmo fenômeno — o contato com materiais contaminados das enxurradas.

Já as infecções respiratórias costumam ser consequência das aglomerações. Isso porque dezenas de milhares de pessoas estão em abrigos, muito próximas umas das outras. E essa condição facilita a transmissão de vírus causadores de resfriados, gripe e covid-19.

As moradias improvisadas, com higiene precária, também reúnem as condições para a dispersão de parasitas, como aqueles que provocam a escabiose (sarna) e a pediculose (infestação por piolhos).

Do ponto de vista individual, é possível também tomar alguns cuidados para diminuir o risco de contato com patógenos, como lavar bem as mãos, fazer a higiene adequada de frutas e verduras, não comer alimentos que tiveram contato com a enchente e tomar apenas água mineral — ou filtrar, ferver ou aplicar uma solução de hipoclorito de sódio na água que vem de outras fontes.

Na segunda onda vem leptospirose, tétano e hepatite A. Passados entre sete e dez dias das inundações, outras moléstias ganham força e relevância. A leptospirose tem, geralmente, esse tempo de incubação da leptospirose é de 7 a 14 dias, mas pode se estender por até um mês.

Para as famílias que forem liberadas a retornar para casa, vale ter um cuidado extra aqui. As autoridades de saúde orientam o uso de equipamentos de proteção, como botas e luvas, na hora de limpar a lama e a água acumuladas — justamente para limitar o contato com a urina contaminada.

Por fim, algo que historicamente sucede as grandes inundações são as doenças transmitidas por vetores, como é o caso da dengue. No entanto, a situação no Rio Grande do Sul em relação a esse problema de saúde é incerta, apontam os especialistas. Isso porque o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, costuma ficar mais ativo quando a temperatura está elevada, durante o verão e a primavera.

Quando a água baixar, também haverá necessidade de pensar em como lidar com as questões de saúde mental e todos os traumas acumulados nesse período, lembram os médicos.

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