‘Livros proibidos’: reitora da Ufrgs inicia campanha de doação de obras que foram censuradas ou banidas no Brasil e no mundo

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) está colocando um ponto final nos tempos do bolsonarismo com a posse da reitora Márcia Barbosa. Ele assumiu em setembro e já está abrindo muitas portas para a cultura, a diversidade, para os debates de ideias e para discussões de assuntos polêmicos. Nos tempos do bolsonarismo e do mandato do ex-reitor Carlos Bulhões, houve uma espécie de obscurantismo e discussões permanentes com a comunidade acadêmica sobre questões didáticas e sobre a real função da universidade para a sociedade. 

Bulhões chegou a reitor por um lobby forte do deputado federal Bibo Nunes junto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Pouca gente gostou, mas enfim eram tempos que o sujeito mandava e arrebentava. Com o desenrolar do seu mandato, o reitor até sofreu processos de destituição tal a situação de abandono que a universidade federal passou. Os caminhos estavam emperrados.

Agora, com Marcia Barbosa, há bons ventos soprando pelos vários locais da universidade. Um deles está acontecendo na Biblioteca Central da Ufrgs, que está passando por um momento histórico: a retirada do tapume que, desde 2022, fechava a antiga porta de acesso à Biblioteca pelo saguão da Reitoria. A barreira, colocada por uma gestão interventora, marcou um período de restrições, apagamento e afastamento. 

Foi uma decisão sábia da nova reitoria. A biblioteca está livre das amarras medievais e volta a reviver seu esplendor. A entrada atual da Biblioteca permanece a mesma (em frente ao Salão de Atos), mas quem passar pelo saguão, poderá ver, pela antiga porta, as estantes e a vitrine da Biblioteca Central. 

Virada

Para marcar esta virada, a Biblioteca está lançando uma campanha de doação de livros proibidos/banidos, com uma lista já preparada, para criar a coleção “Livre”. A ideia é encher prateleiras com publicações que, em algum momento da história, foram censuradas, mas que sempre encontraram formas de sobreviver. A vitrine atual exibe o acervo que sempre lá esteve e aguarda por estas doações. Quem quer saber a lista integral é só consultar no site https://www.ufrgs.br/bibliotecacentral/livros-proibidos/. Oito livros foram proibidos, banidos ou censurados em algum momento no Brasil pelas mais esdrúxulas razões.  Os demais foram proibidos e vetados em vários países mundo afora.

Chama a atenção, entre os livros censurados no Brasil e que a Biblioteca quer inserir no seu acervo, “O Avesso da Pele” de Jefferson Tenório, uma obra de grande repercussão não só no Brasil, mas no exterior. As outras são “Capitães de Areia” de Jorge Amado, “Meninos sem pátria” de Luiz Puntel, “Eu receberia as piores notícias dos seus lábios” de Marçal Aquino, “Zero” de Ignácio de Loyola Brandão, “A Semente do Nicolau” de Chico Alencar, “O menino marrom” de Ziraldo e “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire.

A doação destes livros citados e dos outros que estão lá no site vão fazer parte da Coleção Livre e reforça o compromisso com a liberdade de expressão, o acesso ao conhecimento, a importância da diversidade de ideias e o poder da leitura. Consultas sobre títulos a serem doados ou para tirar dúvidas podem ser feitas pelo e-mail é [email protected].
“O Avesso da Pele”.

Nos tempos recentes da ditadura cultural do governo, o “O Avesso da Pele”, livro que debate racismo, foi censurado em escolas de três estados. A alegação para o veto é que trechos abordam relações sexuais e sexualização dos personagens. Estados alegavam que a obra apresenta expressões impróprias para menores de 18 anos. O livro, lançado em 2020, conta a história de um jovem que teve o pai morto em uma abordagem policial. Os exemplares do livro foram censurados e retirados das escolas públicas nos estados do Mato Grosso do Sul, de Goiás e do Paraná. As alegações foram fracas e escoradas no racismo, repetindo procedimento de censura típico dos anos da ditadura militar.

A obra constava na lista de livros obrigatórios do vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), considerado um dos mais concorridos de todo o país. No Rio Grande do Sul, a diretora de uma escola chegou a pedir a retirada do título da instituição, mas o governo estadual o manteve na sua lista de obras. 

“Me parece uma decisão baseada em um gosto pessoal, de alguém que não gostou da obra e automaticamente acha que as outras pessoas nem deveriam ter acesso a ela”, afirma a professora Carla Risso, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

O livro venceu o Prêmio Jabuti (prêmio mais importante do setor) em 2021 e narra a história de Pedro, que teve o pai assassinado em uma abordagem policial. A obra apresenta questões raciais que vão desde o racismo estrutural à violência policial, e trata ainda da fetichização e sexualização de corpos negros.

O autor Jeferson Tenório, autor do livro, ficou surpreso com a reação contra a obra e disse na época que ficou estarrecido: “Me causa espanto porque nós já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores, e não censurar livros.”

* Eugênio Bortolon é jornalista.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


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