Encontro Nacional de Mulheres Camponesas do MPA debate produção de alimentos e soberania alimentar

“Não somos somente mil mulheres camponesas aqui hoje, somos mil histórias de luta e muito trabalho diário e teimosia, mas, sobretudo, histórias de amor e fé no amanhã, para garantir a sobrevivência de nossas famílias”, afirmou Jeiéli Reis, coordenadora do Coletivo Nacional de Gênero do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) durante a abertura do IV Encontro Nacional das Mulheres Camponesas que teve como tema: Abastecer, Lutar, Construir o Projeto Popular!”

Organizado pelo MPA, o encontro teve início nesta terça-feira (3), em Salvador (BA), e reuniu mulheres de 15 estados e de países vizinhos, como a Argentina. A mesa contou com a participação de mulheres de diversos movimentos sociais, entidades sindicais, parlamentares, representantes de órgãos públicos e dos executivos municipal, estadual e federal. Em suas falas abordaram questões cruciais, como a violência de gênero, a falta de políticas públicas voltadas para as mulheres e a desigualdade social. E também enalteceram o papel das mulheres camponesas na luta por justiça e igualdade e na construção da soberania alimentar e da democracia.

O primeiro dia contou com a mística da região nordeste denunciando as mazelas do capitalismo, reforçando a força feminina no campo e na cidade. O encontro segue até esta sexta-feira (6). Além das mesas de debate, a programação conta com atividades culturais, a feira Camponesa, atendimento médico diário e ao final do dia atrações musicais com grupos de mulheres. 

“Enfrentamos tempos difíceis, de crise climática. Mas para nós, que estamos nas periferias desse país, chegou faz tempo, quem está na roça sabe, nas favelas desse país também. Tempos marcados pela violência, nossa luta por sobrevivência nesse país começa antes mesmo de nascer, quando um pré-natal adequado não é acessível a quem nos está gerando, quando ir para hospital parir é assustador pela violência sofrida dentro dos serviços de saúde”, afirmou Jeiéli. 

Educadora, poeta e cantora popular, Jeíeli, também destacou questões como o envenenamento que chega à mesa, as condições de trabalho precárias, a baixa remuneração, a violência contra as mulheres, a questão da segurança pública, entre outros. “Eu venho do estado (Rondônia) com maior número de mortes de camponeses em conflitos agrários por dois anos seguidos nos últimos anos. E estou no estado [Bahia] com a polícia mais letal do país. Essa não é uma guerra entre policiais e bandidos, essa é uma luta entre os donos do poder onde o povo é alvo e bucha de canhão a mesmo tempo. É preciso lembrar quem é nosso inimigo, quem é povo, quem é que lucra com essa carnificina.”


“Esse encontro não é uma agenda é uma celebração da vida, da luta e resistência que pulsa em cada coração camponês e sobretudo no coração das mulheres que carregam o peso da história” / Foto: André Souza

Conforme ressaltou a coordenadora, são as mulheres a força que alimenta este país. “Somos as que plantam o alimento, as que cuidam da terra e as que defendem a soberania alimentar. Nós somos sementes revolucionárias, teimosas. Somos as que desafiam o capitalismo, as que enfrentam o patriarcado. E sabem por quê? Porque sem a emancipação, liberdade das mulheres para estarmos onde queremos e precisamos, não haverá soberania. Sem a nossa força, não haverá transformação, somos metade da população e cuidamos sozinhas da outra metade. E sem a nossa luta, não haverá revolução.”

Encontro da luta e resistência 

“Esse encontro não é uma agenda é uma celebração da vida, da luta e resistência que pulsa em cada coração camponês e sobretudo no coração das mulheres que carregam o peso da história, mas também o poder da transformação. Nós somos filhas da terra, do barro que é irmão do alimento, do suor que vem dos sonhos. Somos as guardiãs da semente, das memórias e dos saberes que se encontram nas mãos das que plantam, colhem e cozinham. Em nossas veias correm a força de nossos ancestrais. Mulheres que resistiriam às secas, as cheias, aos abusos e exploração”, enfatizou Denilva Araújo, integrante do MPA.

Ao Brasil de Fato RS, Glória Isable Mamani, do Movimento Nacional Campesino Indígena da Argentina, ressaltou a importância da união entre os povos e os movimentos sociais. “Viemos aqui também para contar o que vivemos na Argentina com este presidente neoliberal que é o Javier Milei, o atropelo que faz sobre os territórios das famílias campesinas, indígenas. Não respeita leis, não respeita nada. Estamos perdendo os direitos conquistados, com dificuldade de sair para protestar por direitos, muita repressão e momentos desafiadores na Argentina. Estamos convencidas que a única forma de seguir adiante e se reorganizar para estarmos juntas.” 

Ao mesmo tempo que há esse ataque aos movimentos sociais, Glória comentou que o movimento de mulheres do seu país vem aumentando a cada dia, sobretudo no reconhecimento dos direitos, que como ela afirma, estão vulneráveis nos últimos anos. “Recentemente tivemos um encontro plurinacional há um mês na província de Cucuy, ao norte do país que reuniu mais de 100 mil mulheres campesinas, indígenas e de bairros populares e demais segmentos. Nesse encontro reivindicamos nossos direitos enquanto mulheres e dizer que a mulheres campesinas são as que protegem as sementes e alimento para uma soberania alimentar.” 

 

Conforme reforçou Jeíeli, o encontro não é só para refletir, mas também agir. “Que cada uma de nós saia daqui com o compromisso de germinar essa luta em cada canto do Brasil. Não nos basta apenas resistir: estamos aqui para transformar o Brasil e para superar todas essas opressões que atravessam nossas vidas diariamente. O MPA tem um plano camponês por soberania alimentar e poder popular a ser construído, com aliança entre campo e cidade. Nós somos a força que alimenta este país. Somos as que plantam o alimento, as que cuidam da terra e as que defendem a soberania alimentar.”


“O MPA tem um plano camponês por soberania alimentar e poder popular a ser construído, com aliança entre campo e cidade. Nós somos a força que alimenta este país” / Foto: André Souza

Além de Denilva e Jeíeli, a mesa de abertura teve como convidadas: Noeli Taborda, do Movimento de Mulheres Camponesas e CLOC-Via Campesina Brasil; Glaucia Nascimento, coordenadora Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); Mônica Bonfim, gestora da Escola Parque. Glória Isable Mamani, do Movimento Nacional Campesino Indígena da Argentina; Maria Magdalena, da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Noemi Lemes, Superintendente de Habitação Rural e Entidades Urbanas, da Caixa Econômica Federal; Viviana Mesquita, Subsecretária de Políticas para Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Olga Matos – CESE; Padre Dario Bossi, representando a CNBB; Maria Kazé, representando a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); Ângela Guimarães, secretária de Igualdade Racial da Bahia (Sepromi); Eliete Paraguassu, vereadora em Salvador pelo PSOL e Débora Batista – Secretaria de Políticas para Mulheres da Bahia. 

A realização do Encontro Nacional e Feira Camponesa das Mulheres do MPA contou com o apoio do governo do estado da Bahia, através da Companhia de Desenvolvimento e Ação regional – CAR, da secretaria de Desenvolvimento rural – SDR, da Secretaria de educação – SEC, da parceria com a Fundação Banco do Brasil e do patrocínio da Caixa Econômica Federal e Governo Federal.


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