Neoliberalismo invade o campo subjetivo 

O modo de produção neoliberal promove a degradação ambiental em larga escala, estimula o individualismo e desarticula a coesão social porque precisa de consumidores, não de cidadãos. Cidadãos são solidários, tendem a considerar o coletivo, consumidores são solitários. 

A prioridade não é o bem-estar dos indivíduos nem a vida em sentido amplo, respeitando todas suas formas e espécies, mas o lucro. 

Como o lucro não pode ser distribuído a 8 bilhões de seres humanos, fomos levados a aceitar, sob uma avalanche de narrativas falsas, que é natural assistir mais da metade da população do planeta sofrer privações severas, muitos em condições sub-humanas, enquanto dez ou doze trilhardários do sistema financeiro e das big techs concentram riquezas superiores ao PIB de muitos países. 

“É uma ideologia que defende o egoísmo, condena a empatia e a alteridade e se vende como teoria científica e econômica”, explica a professora Gislaine de Paula, no livro Neoliberalismo, Direito e Mal Estar, sua tese de doutorado. “Ocorre que normas científicas escapam ao debate público, mesmo em uma sociedade democrática”, diz ao analisar a força do pensamento neoliberal.

O impacto do neoliberalismo vai além das relações de classe. Explora o planeta e a subjetividade humana, levando à exaustão dos recursos naturais, à morte de milhões de pessoas por fome, doenças e bombas, e ao sofrimento psíquico de outras tantas, que caem em depressão por acreditarem não ter competência ou não se esforçarem o suficiente para serem bem sucedidas no sistema cínico da meritocracia neoliberal, como se o ponto de partida e as oportunidades fossem iguais para todos.

Desde que o europeu pós-renascentista trocou a religião pelo racionalismo liberal para explicar o mundo, o mercado foi elevado à categoria de divindade pseudocientífica. Primeiro pelos liberais românticos, depois pelos extremistas neoliberais que alcançaram a proeza de criar e justificar teoricamente o mercado sem concorrência, algo que levaria Adam Smith a pôr sua mão invisível de molho.

Após um hiato histórico de três décadas, quando Europa e América do Norte viveram o sonho do Estado Social pós-guerra, as “soluções” mágicas de mercado desregulado foram sendo impostas paulatinamente em forma de dogmas, como em uma igreja, para que ficássemos imobilizados e desencorajados a reagir. No evangelho do mercado, qualquer um que questione é chamado de comunista, o herege dos tempos modernos. 

Depois de desorganizarem diversos setores da economia, eliminando a concorrência para viabilizar os oligopólios, e submeterem boa parte da pesquisa cientifica aos seus interesses, tentam capturar bens essenciais à sociedade como água, energia, transporte, saúde e educação a fim de transformá-los também em oligopólios privados. 

Criam narrativas falsas, disfarçadas de argumentos técnicos, para desmobilizar resistências e convencer a maioria de que as corporações forneceriam serviços melhores e mais eficientes porque eles têm consciência que a meta não é o bem-estar público. Trata-se de um sistema econômico que suga a energia vital do planeta e dos seres humanos. 

A ascensão da extrema direita mundial tem relação direta com desfuncionalidade desse modelo, que se alimenta de crises. É o “capitalismo do desastre”, define a jornalista, escritora e ativista Naomi Klein. Não por acaso, o maior laboratório de experimentos neoliberais foi o Chile durante a ditadura Pinochet.

Além dos supostos ajustes fiscais para justificar a retirada de direitos sociais e do exército reserva de desempregados para conter a expansão dos salários, o neoliberalismo precisa de fantoches populistas e autoritários capazes de fazer o serviço sujo caso o sufrágio universal não seja suficiente para controlar a economia. 

A democracia liberal é um meio, não um valor.

* Marcelo Leal é jornalista.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

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