Cegueira política

Se você ler o que dizem as redes sociais, pode chegar a uma conclusão errada: o STF e ministros como Alexandre de Moraes se metem em tudo, governam o país a seu talante, não precisam dar satisfações a ninguém e agem para instalar uma ditadura – a ditadura do Judiciário –, se já não tiver instalada e em pleno vigor.

Bem, uma pequena parte disso é verdadeira. A parte falsa dessa versão é feita de desinformação, argumentos falaciosos, interesses contrariados, grossas mentiras. O mais que se pode afirmar é que o STF, os tribunais superiores, às vezes, invadem searas que não lhes pertencem, tomam decisões precipitadas, abusam de decisões monocráticas. Mas não o fazem por iniciativa própria, senão quando são suscitados por cidadãos ou entes jurídicos autorizados em lei. O mais que se pode dizer é que, composto de mulheres e homens, os tribunais superiores, assim como os juízes individualmente, refletem as imperfeições dos seres humanos.

Mas para chegar ao ponto em que os seus críticos mais exaltados proclamam, de propor impeachment de um ou mais dos seus juízes e ministros, falta muita coisa. Mesmo os juízes mais polêmicos e detestados, como Moraes, Dino e Toffoli, olhando de perto, tomam decisões com as quais podemos concordar plenamente. Essas autoridades, entretanto, são vistas e avaliadas nos círculos da direita somente pela aversão que provocam.

É apenas o óbvio: os juízes e tribunais não têm como satisfazer a todos ao mesmo tempo. É pretensão absurda que eles tomem somente decisões que nos sirvam e agradem. Não é por outra razão que os tribunais superiores são colegiados. No caso das decisões monocráticas, era para ser a exceção, mas acabou resvalando para regra dominante, o que é, certamente, lamentável. Não existe unanimidade nem entre os 11 membros do STF, que às vezes se engalfinham em contradições e animosidades.

Então, a sensatez, a honestidade intelectual, o sentimento genuíno de civismo, o compromisso com a República e a democracia, prescrevem o simples: o respeito e o acatamento ao que os tribunais decidem, porque na maioria compacta das vezes eles o fazem com base nas leis vigentes e no bom Direito.

Há um alto grau de cegueira política e estupidez em ser “contra” o STF, atacá-lo de plano e em toda circunstância, e ver em cada ato da Corte uma conspiração. É uma dissonância cognitiva, um raciocínio raso, um quê de fanatismo religioso. Quando reclamamos da parcialidade de Xandão, do STF, não estaremos sendo nós próprios os parciais?

Salientemos, contudo, que nada disso implica em imunidade de críticas a juízes, ministros, tribunais, inclusive nas suas sentenças e decisões. O cidadão, diante da decisão judicial que não lhe agrade, tem na Justiça o próprio remédio, a apelação, o recurso; no limite, tem o uso dos meios de comunicação, por si ou seus advogados, para denunciar o que se entenda por erro judicial ou injustiça, contestar com argumentos, apresentar alternativas aceitáveis e justas.

A Justiça no Brasil é cara, tarda e (muitas vezes) falha. Aí, nesses pontos cruciais, não apenas é nosso direito criticar o Judiciário, mas inabalável dever.

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