Ministério da Ciência: plataforma do governo apontava o RS com baixo risco para inundações, enxurradas e alagamentos

Hoje com quase 80 mil pessoas em abrigos públicos devido às chuvas recentes, o Rio Grande do Sul aparece na plataforma Adapta Brasil, lançada em 2020 e gerida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), como uma região com baixo risco para inundações, enxurradas e alagamentos. O Estado tem índice de 0,32 nessa classificação, em uma escala que vai até 1. A plataforma não é usada para gerar alertas, mas serve de parâmetro para gestores sobre a necessidade de medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.

A capital Porto Alegre, debaixo d’água há mais de uma semana, aparece com baixo índice de risco para alagamentos (0,26), embora apresente, na mesma plataforma, nível muito alto de ameaça para este tipo de evento diante das mudanças climáticas (0,82). Em outro indicador da plataforma, de vulnerabilidade, que leva em conta a suscetibilidade da população diante desses riscos, a cidade também apresenta índice muito baixo, de apenas 0,03.

Há outras cidades em que a realidade não bate com os dados da Adapta Brasil. Um exemplo é Bento Gonçalves, com índice de risco para enchentes, inundações e enxurradas “muito baixo”, de 0,11. Lajeado, outro município tomado pelas águas, tem índice de risco médio para este tipo de evento climático (0,47), mas sua vulnerabilidade também é classificada como muito baixa (0,11).

Dois outros municípios gravemente afetados pela tragédia causada estão classificados como de alto risco. Um deles é Eldorado do Sul, que teve 100% da área urbana atingida pela enchente. Seu índice de vulnerabilidade, porém, é apontado como baixo (0,30). Canoas também apresenta risco alto (0,67), mas a vulnerabilidade é considerada baixa (0,21) e a capacidade adaptativa, alta (0,72).

Daniela Stump, professora do MBA ESG e Impacto da Trevisan Escola de Negócios, destaca outro indicador da plataforma, que é o de sensibilidade. Ele indica o grau em que um sistema socioecológico é potencialmente afetado ou modificado por desastre geo-hidrológico. Das cinco cidades avaliadas, quatro apresentam índice baixo ou muito baixo (Porto Alegre, Canoas, Bento Gonçalves e Lajeado). Apenas Eldorado do Sul aparece com índice médio.

“É um contrassenso que Canoas, por exemplo, apresente índice de vulnerabilidade baixo. O comportamento hidrológico é difícil de prever, mas a plataforma não indicou o quanto a população estaria vulnerável”, diz ela.

Márcio Rojas, coordenador-geral de Ciência do Clima do MCTI, afirma que o volume de chuvas no Rio Grande do Sul foi impressionante, bem mais alto do que o esperado por estudos climáticos.

“Mas estamos vendo que os eventos estão ficando mais extremos e intensos, por isso, não podemos dizer que (a enchente no Rio Grande do Sul) é uma surpresa”, diz Rojas.

Para ele, o principal da plataforma é o indicador de “ameaça” de eventos climáticos, um dos que compõem o índice de vulnerabilidade, que inclui também informações como adequação de domicílios, faixa etária e educacional da população, infraestrutura do município, saneamento e mobilidade.

Na prática, porém, a situação da capital gaúcha e de outras cidades do Rio Grande do Sul mostra que a infraestrutura existente pouco faz diferença diante de eventos tão extremos. No fim das contas, tudo fica sob as águas e a população sofre independentemente de grau de instrução, por exemplo.

Rojas diz que gestores municipais estão sendo treinados para analisar os índices da plataforma. Mas admite que ter ou não saneamento básico não importa diante de um evento do porte do que ocorreu em Porto Alegre.

O coordenador admite que é difícil e complexo prever com precisão a intensidade de eventos extremos, mas informa que o supercomputador Tupã, usado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para operar com modelos climáticos, será substituído em breve por outro mais potente. O novo será capaz de processar mais informações e para um horizonte maior de tempo.

Cemaden

Regina Alvalá, diretora substituta do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), afirma que prever a quantidade de chuva que vai cair é mais complicado do que prever a temperatura, por exemplo.

Ela lembra que em 2020 foi detectada a necessidade de ampliar a lista de municípios monitorados 24 horas por dia e sete dias por semana pelo órgão, mas só a partir de 2023, com a troca de governo, o projeto pode avançar — na gestão anterior, segundo a especialista, o tema não foi prioridade.

De acordo com Regina, 45 municípios gaúchos têm hoje monitoramento contínuo do Cemaden e, até o fim deste ano, mais 12 municípios integrarão a lista.

Regina alerta que, apesar das informações sobre aumento de eventos extremos, nenhum município brasileiro tem hoje um plano completo de adaptação às mudanças climáticas, que customize características de clima, econômicas e geográficas.

Ela reconhece que é preciso investir em estudos mais detalhados, que indiquem, por exemplo, qual o limiar crítico de chuva ou acumulado capaz de detonar um deslizamento em áreas de risco, por exemplo. O custo de monitoramento e de detalhamento dos impactos, porém, é alto.

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