Liberação de R$ 14 milhões do Orçamento para atender ao grupo do empresário conhecido como Rei do Lixo foi por ordem de ministro indicado ao cargo pelo senador Alcolumbre

A liberação de R$ 14 milhões do Orçamento às pressas, no último dia de 2023, para atender ao grupo do empresário conhecido como Rei do Lixo, ocorreu por ordem do próprio Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, controlado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e não por indicação de parlamentares. A operação está na mira da Polícia Federal, que prendeu recentemente 16 pessoas por envolvimento em um esquema de desvio de recursos de emendas.

De acordo com as investigações, o grupo fraudava licitações, superfaturava serviços e desviava os recursos por meio de empresas laranja. O maior operador do esquema seria o empresário José Marcos de Moura, conhecido na Bahia como “Rei do Lixo”, que é dirigente do União Brasil e teria tentáculos em 17 estados e dezenas de municípios.

Nas mensagens captadas pela PF, o Rei do Lixo encaminha aos subordinados o contato da chefe de gabinete de Davi Alcolumbre, Ana Paula Magalhães. Dois dias depois, o grupo conseguiu a liberação do dinheiro em poucos dias para uma obra em Juazeiro (BA).

Os empenhos foram localizados pela equipe da coluna no sistema TransfereGov. Ali consta que eles não foram enviados por meio de nenhuma emenda ligada a parlamentares, e sim por uma rubrica de uso privativo do ministro Waldez Góes, ex-governador do Amapá indicado para o cargo por Alcolumbre durante a transição em 2022. Desde então, o senador mantém influência no ministério.

O dinheiro foi enviado ao município de Juazeiro para a construção e reparo de estradas vicinais, mas não chegou a ser entregue à empresa do grupo do Rei do Lixo porque a Caixa Econômica Federal exigiu que fosse realizada uma licitação (que não havia sido feita).

A pasta também é responsável pelo Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), pivô do escândalo de desvio de emendas e fraudes que a PF estima ter desviado R$ 824 milhões só em 2024.

Segundo a PF, o dinheiro para a cidade do interior baiano foi liberado no dia 31 de dezembro de 2023, no limite do prazo para que a verba pudesse ser empenhada pelo ministério para o projeto apresentado pela prefeitura – e apenas dois dias após o Rei do Lixo deflagrar uma força-tarefa para destravar a verba.

Uma vez nos cofres municipais, a emenda seria repassada para uma das empresas que integram o esquema contratada de forma fraudulenta para supostamente executar o serviço, a Allpha Pavimentações – que já era alvo de apuração da Controladoria-Geral da União (CGU) por fraudar comprovantes de realização de obras financiadas por emendas na Bahia.

Técnicos e políticos especialistas em orçamento consultados pela coluna afirmam que esse tipo de empenho na última hora só costuma acontecer quando requisitado por operadores muito poderosos. “Não é qualquer um que consegue liberar R$ 14 milhões em dois dias direto com o ministério”, diz um desses especialistas.

Embora não seja formalmente investigado no caso, Alcolumbre é mencionado no relatório da PF que embasou a operação Overclean no último dia 10, quando Moura e outros 15 suspeitos foram presos. Três deles, incluindo o empresário, foram soltos por liminar nesta quinta-feira pela desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Daniela Maranhão, que é candidata a uma vaga de ministra no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em uma conversa de WhatsApp, o Rei do Lixo encaminha o contato “Ana Paula Davi” – que os investigadores confirmaram ser da servidora – a outro integrante do esquema, Alex Parente, e orienta que ele entre em contato com Ana Paula enquanto buscavam a liberação do dinheiro a tempo – o que, de fato, se concretizou.

O relatório salienta que, pela sua posição como servidora, Ana Paula poderia ser “alguém com acesso aos trâmites e capaz de orientá-los para conseguir vincular uma proposta parlamentar” de emenda RP2 para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional elaborada pelo próprio Moura.

Pânico no Congresso

Desde que os documentos vieram à tona, deputados e senadores entraram em pânico – em especial os do União Brasil, mas não só. Um dos temores é que as revelações da Polícia Federal abalem o fluxo de liberação de emendas nos variados ministérios e prejudique a candidatura de Alcolumbre à presidência do Senado Federal na eleição que ocorre em fevereiro de 2025.

A PF pretende convocar o senador amapaense e a servidora para prestar depoimento sobre as emendas. Alcolumbre divulgou nota na qual frisa que Ana Paula é especialista em orçamento público e lida com diversas demandas de seu gabinete “dentro da legalidade, ética e técnica orçamentária e legislativa” e alega não existir “nenhuma ilegalidade praticada pela profissional”, em quem confia “plenamente”.

 

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