Após meses de espera, a Trensurb chega até o centro de Porto Alegre

Responsável pelo transporte de cerca de 100 mil pessoas, a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) retomou nesta terça-feira (24) seu funcionamento total, ao reabrir as últimas três estações, São Pedro, Rodoviária e Mercado Público. Atingida fortemente com a enchente de maio, foi durante esses sete meses retomando gradativamente. O processo de recuperação total do transporte deve seguir ainda pelos próximos 120 dias. 

No momento, o transporte até o centro histórico de Porto Alegre acontecerá das 5h às 20h, sendo garantido translado após esse horário da estação Mercado até a estação Farrapos e vice e versa. O intervalo será de 12 minutos.

A inauguração da retomada nesta terça-feira contou com uma coletiva de imprensa e também com a solenidade oficial de abertura, com representantes dos governos federal, estadual e municipais. Assim como entidades sindicais, funcionários da empresa e demais autoridades. 

Com mais de 40 anos de história, a empresa pública, com cerca de mil funcionários concursados, segue na luta contra a privatização, mesmo com o anúncio do Governo Federal, em maio deste ano, de que ela seria retirada do Plano nacional de Desestatização (PND). 

Retomada

O transporte foi interrompido no dia 3 de maio quando a enchente atingiu algumas das 22 estações, trazendo avarias ao sistema e à estrutura da empresa, com trilhos submersos, estações alagadas, três subestações de energia completamente perdidas, sistema de bilhetagem além de depredação em algumas estações. Vinte e sete dias após, o serviço foi sendo retomado gradativamente. Em seu funcionamento normal a empresa chega a transportar mais de 100 mil passageiros. Atualmente ela está transportando uma média de 70 mil. 

Durante a cerimônia, o diretor-presidente Nazur Garcia fez um histórico da enchente, dos desafios e a retomada, pontuando que quando as estações estavam fechadas, muitas delas serviram de abrigo aos atingidos pelo desastre climático. A empresa chegou a abrigar três mil pessoas. 

Na coletiva de imprensa, Garcia explicou que a limitação do horário ocorre pela necessidade de mais intervenções na via. De acordo com ele é preciso recuperar a via permanente. “São longos trechos que precisamos intervir, como no pátio de manutenção e área de manobra.” 

Em sua fala o presidente destacou que as estações Rodoviária e Mercado Público ficaram completamente submersas. A retomada de todo o serviço estava no cronograma desde que o transporte voltou a funcionar, no dia 30 de maio, na operação Trilhos Humanitários. 


Serviço parou no dia 3 de maio e foi retomado gradativamente a partir do dia 30 do mesmo mês / Foto: Fabiana Reinholz

“A gente tem que saudar a chegada dos trens ao centro de Porto Alegre. Essa era uma exigência, com muita razão, dos nossos usuários, comerciantes aqui do centro de Porto Alegre. É claro que o fato de chegar ao Centro hoje não significa que o processo de reconstrução da Trensurb esteja concluído. Temos muitas obras ainda pela frente.”

Em seu discurso, o dirigente agradeceu o empenho dos três poderes executivos, assim como órgãos estatais, entidades das categorias e principalmente aos funcionários da estatal. 

“Nós metroviários estamos muito felizes. Nós somos 1000 funcionários que deram duro nesses sete, oito meses, para esse momento acontecer. E a glória é toda da família metroviária, para esse momento estar acontecendo, apesar de hoje a gente seguir na lista das privatizações. Mesmo com essa corda no pescoço, o metroviário e metroviária se dedicou desde o início da enchente, ajudando a população, fazendo a acolhida nas estações e agora esse momento simboliza o trabalho do metroviário e da metroviária”, afirma a vice-presidente do Sindicato dos Metroviários (Sindimetrô RS), e segurança das estações, Ana Paula Pinheiro Almada.


Ana Paula Pinheiro Almada é a vice-presidente do Sindicato dos Metroviários (Sindimetrô RS) / Foto: Fabiana Reinholz

Com 43 quilômetros de malha ferroviária, a Trensurb presta serviço nas cidades da região Metropolitana, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapucaia, Esteio, Canoas e Porto Alegre. Conforme reforça a dirigente, a empresa presta um serviço essencial ao transporte público, em especial para os gaúchos dessa região. 

“A gente trabalha de domingo a domingo, não fecha feriado, não fecha Natal, Ano-Novo. E foi um momento histórico, no momento que a gente precisou fechar e encerrar os serviços. O significado para a população gaúcha, da Trensurb voltar, é um fechamento do ciclo da enchente, do que representou, do quão dolorido foi para os gaúchos esse momento. E a gente ter a volta do trem, que funciona há mais de 40 anos, até a sua estação terminal, que é o Mercado Público, coração do estado, é muito significativo.”

Alívio 

“Ao mesmo tempo que a gente comemora, é um cansaço prolongado, ainda não dá pra sentir que é uma conquista, porque demorou muito. Eu como trabalhadora passei por muitos percalços, não perdi meu emprego porque eu tive que pagar pra ir trabalhar. Moro aqui em Porto Alegre e trabalho em Sapucaia dai passei por todo aquele processo do viaduto”, desabafa a atendente de nutrição Sandra da Silva Luz. 

Para ela, a retomada representa também um ato simbólico, uma vez que ela está indo até Sapucaia pedir demissão, por ter passado em um concurso público em um hospital da Capital. “É um marco simbólico, porque pela primeira vez, efetivamente estou indo daqui de Porto Alegre até lá Sapucaia, sem transbordo. Meu coração tá bem apertado.”


Sandra da Silva Luz mora em Porto Alegre e trabalha em Sapucaia / Foto: Fabiana Reinholz

Moradora da cidade de Sapiranga, e trabalhando na Capital, a podóloga Janete de Almeida, por conta da enchente e da dificuldade de transporte, permaneceu em Porto Alegre nos últimos meses. “Estou felicíssima com a retomada. Foi uma tortura os últimos meses. Na época da enchente eu fiquei um mês praticamente isolada, só com três mudas de roupa. Agora eu vou poder ir e voltar todos os dias, porque mesmo com a empresa disponibilizando ônibus tem todo esse transtorno.” 


Moradora de Sapiranga, Janete de Almeida permaneceu em Porto Alegre nos últimos meses por conta da enchente e da dificuldade de transporte / Foto: Fabiana Reinholz

Proprietário de dois quiosques nas estações Mathias Velho e Canoas, Eder Fernando Zucolotto abriu a terceira franquia nesta terça-feira na estação Mercado. Para ele a retomada do serviço de transporte no centro da capital é simbólica. “Não está começando 100%, tem alguns ajustes, mas 2025 a gente espera que retorne tudo a normalidade. E temos que entender todas as adversidades que que o estado passou, que a própria Trensurb passou. Mas o pessoal está ai, a gente vê o esforço deles para tentar superar isso.”


Eder,Fernando Zucolotto abriu um quiosque na Estação Mercado / Foto: Fabiana Reinholz

Reconstrução 

De acordo com o diretor-presidente da Trensurb, a reconstrução da estatal deve custar cerca de R$ 320 milhões. Desse total, o Governo Federal já repassou R$ 164 milhões. O prejuízo gerado pela inundação ultrapassa R$ 400 milhões.

“O Governo Federal liberou R$ 164 bilhões em recursos extraordinários visando o restabelecimento emergencial da empresa, para que se aplicasse esses recursos naqueles sistemas e naquelas estruturas que haviam sido danificadas. Esses R$ 164 milhões nós praticamente estamos concluindo o empenho desses recursos agora, neste mês”, informou Garcia. 

De acordo com o presidente a empresa possui ainda o orçamento ordinário/comum, que para o ano de 2025 está previsto no valor de R$ 130 milhões no custeio/manutenção do sistema assim como R$ 20 milhões de investimento. “Além disso, nós temos também junto ao Governo Federal um novo pedido de recursos, talvez ainda nessa semana. Acredito que mais tardar até o dia 30 deva sair uma nova medida provisória. E a Trensurb tem expectativa de vir a ser contemplada.”

“É uma data simbólica também de cumprimento do compromisso do Governo Federal de, ainda no ano de 2024, reabrir todas as estações do trem, no esforço enorme da companhia, da Secretaria da Reconstrução, do governo como um todo, de poder retomar esse importante instrumento de transporte público”, afirmou ao Brasil de Fato RS, Maneco Hassen, secretário para a Reconstrução do Rio Grande do Sul da Casa Civil.

De acordo com o secretário, o Governo Federal já investiu mais de R$ 58 bilhões na reconstrução do Rio Grande do Sul. Em 2025, de acordo com ele, deve ultrapassar os R$ 100 bilhões. “Trabalhamos bastante pra viabilizar a questão financeira orçamentária para vir pra que no próximo ano a gente possa finalizar todo esse trabalho pra poder dar ao trem o tamanho, a quantidade de viagens, enfim, tudo aquilo que ele precisa e é necessário para nossa região. Mas hoje é uma grande conquista”, ressaltou Hassen. 


Foto: Fabiana Reinholz

Luta contra a privatização 

“A Trensurb é uma empresa fundamental para dialogar com a vida dos trabalhadores de deslocamento na região Metropolitana. Poder retomar as operações, principalmente nesse momento em que a gente enfrenta/disputa o diálogo para manter a empresa pública, para nós é fundamental que a empresa possa retomar suas atividades. Que possa seguir servindo a comunidade, mostrando a importância de ser uma empresa pública”, afirmou o presidente do Sindicato dos Técnicos Industriais no Estado do Rio Grande do Sul, César Augusto Silva Borges.  

Algumas estações da Trensurb por conta da enchente ainda trazem sinais de sua passagem como a da Santo Afonso, onde um elevador foi danificado por ação de vandalismo e a estação Rio dos Sinos, que sofreram avarias devido a inundação. De acordo com Garcia, será iniciado um trabalho de recuperação das estações. 

A vice-presidente do Sindicato dos Metroviários chama atenção que muitos problemas existentes nas estações vem de antes da enchente. “Nós estarmos desde a época do governo Bolsonaro na lista das privatizações, o futuro da empresa não é um futuro certo. Esse sucateamento que vem com a possibilidade da privatização é normal no país. É uma coisa que acontece corriqueiramente, infelizmente. Temos problemas anteriores à enchente que persistiram ou se agravaram depois dela. Por exemplo, aqui hoje a gente tem a estação terminal com três elevadores que deveriam estar funcionando e faz mais de cinco anos que não estão.”


“Houve uma empatia dos nossos usuários que, aliás, muitos deles também foram atingidos pela enchente e viveram o que a própria Trensurb viveu” / Foto: Juliano Lannes/Trensurb

Um fator que contribui, de acordo com ela, é a terceirização em alguns serviços, como os de acessibilidade, como as escadas rolantes e elevador. “Ela já está privatizada porque terceirização nada mais é do que privatização. Se fossem funcionários de carreira, que temos poucos ainda, mas temos excelentes funcionários de carreira, essa situação na manutenção, provavelmente isso não estaria acontecendo, porque o empenho é muito maior.”

Representando a Assembleia Legislativa, o deputado estadual Miguel Rossetto (PT), afirmou que a Trensurb é  uma empresa pública dedicada e quer que se continue como tal. “Nós queremos não só que ela continue bem, com tarifas razoáveis para nossa população, com transporte seguro, com qualidade, mas mais do que isso. Precisamos pensar na extensão da linha, para Alvorada, para a população de Norte a Sul da cidade de Porto Alegre. É preciso cada vez mais pensar que o trem, o metrô, são os grandes instrumentos de mobilidade urbana. Nós temos que pensar na conforto, na qualidade, na tarifa baixa e pensar na agenda ambiental que só o trem consegue responder. É preciso preservar a Trensurb como empresa estatal e pública e garantir novos investimentos para levar esse direito a toda a população da região metropolitana.” .

“A Trensurb é uma empresa pública. É uma empresa estatal. É uma empresa do povo gaúcho, do povo brasileiro. A gestão atual entende que ela deva continuar assim”, reforçou Garcia. 

Para o dirigente, a empresa nas mais de quatro décadas se consolidou o conceito de transporte. Segundo ele, foi feita uma pesquisa de satisfação com os usuários no início de dezembro, e apesar de todas as dificuldades, alcançou 85% de satisfação.

“Houve uma empatia dos nossos usuários que, aliás, muitos deles também foram atingidos pela enchente e viveram o que a própria Trensurb viveu. Quer dizer, veio a enchente, a água subiu, permaneceu, desceu e todos nós tivemos que partir para um processo de reconstrução da empresa. E essa reconstrução foi feita com recursos públicos, com bons valores, abaixo do mercado e estamos muito felizes de poder hoje entregar para a população, a Trensurb aqui no centro de Porto Alegre e que permaneça pública.”


Solenidade de abertura da retomada até a Estação Mercado / Foto: Juliano Lannes/Trensurb


Durante a enchente a Estação Rodoviária, assim como a do Mercado, ficou submersa / Foto: Juliano Lannes/Trensurb


Retomada consegui cumprir o cronograma de voltar a sua totalidade até o natal / Foto: Juliano Lannes/Trensurb


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