Na avaliação do ex-economista-chefe do FMI, “Lula achou que as políticas do passado funcionariam”

Ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atual professor da Universidade Harvard, Kenneth Rogoff acredita que o Brasil conseguiu alguns avanços importantes na economia recentemente – como a autonomia do Banco Central –, mas, ainda assim, terá muitas dificuldades se não atacar a questão fiscal. Sem isso, diz, “haverá juros mais altos, ou maior inflação, ou ambos”.

Segundo ele, o presidente Lula não pode, simplesmente, “se parecer com o Lula de 2003”. “Ele tem de fazer melhor agora, porque antes havia uma situação muito mais favorável nos preços de matérias-primas e de crescimento global”, diz.

1. O que o governo pode fazer para conter a forte desvalorização cambial?

“O Brasil está com um déficit fiscal de 10% do PIB. Não será possível afastar os especuladores fazendo isso. O País fez um trabalho maravilhoso ao avançar a participação da dívida interna em relação à toda a dívida pública, ao determinar a independência do Banco Central. Mas há limites ( fiscais). Ou haverá juros mais altos, ou maior inflação, ou ambos”.

2. Como reverter esse quadro?

Eles precisam ter uma política fiscal mais sóbria, como todo mundo vem dizendo desde o primeiro dia do novo governo Lula. Ele não pode, simplesmente, se parecer com o Lula de 2003. Ele tem de fazer melhor agora, porque antes havia uma situação muito mais favorável nos preços de matérias-primas e de crescimento global. Desta vez, é diferente. O Brasil tem uma economia complicada, mas com muitos pontos fortes. Há muitas coisas que podem ser feitas. Mas eles têm a vontade política? Eu não sei.

3. Que avaliação o sr. faz sobre a reunião do Federal Reserve de dezembro do ano passado, quando os juros americanos foram reduzidos mais uma vez?

O Fed atingiu um ponto no qual precisa perguntar a ele mesmo porque está reduzindo os juros. A economia dos EUA está muito forte, a inflação não está baixando para 2% e o mercado de ações está no território de uma bolha. A conclusão da reunião de dezembro é de que eles vão desacelerar a redução dos juros até que a economia reduza o ritmo.

4. O que preocupa mais o Fed: o risco de adoção de tarifas sobre importados pela administração Trump gerar pressões inflacionárias nos EUA ou o atual patamar da inflação, que não está na meta de 2%?

Estou certo de que os dirigentes do Fed estão preocupados com a economia e a inflação, mas as tarifas somente criam muita volatilidade. Eu não exageraria ( na avaliação) sobre quão grande será o efeito das tarifas à inflação. Mas, entre as políticas de Trump, ela é a que cria maior incerteza.

5. As políticas econômicas do governo Trump são o maior risco de alta da inflação nos EUA em 2025?

O maior risco é a economia continuar crescendo com muita força. Estamos em um novo mundo de taxas de juros reais maiores. Trump é um fator, mas está distante de ser o único.

5. Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, comentou que, se os EUA adotarem políticas comerciais protecionistas, o crescimento da Zona do Euro poderá ser impactado. A adoção de tarifas sobre importados europeus pela administração Trump poderá levar o BCE a acelerar a redução dos juros em 2025?

A Zona do Euro está em grandes apuros, não por causa de Trump, mas devido às suas próprias políticas. A Alemanha tem um governo muito fraco por muitos anos, que adotou políticas de tendência esquerdista que tornaram o país menos eficiente. Na França, o presidente Emmanuel Macron teve muitas ideias boas, mas não conseguiu implementá-las. Ele tentou elevar a idade para aposentadorias de 62 para 64 anos, e as pessoas foram às ruas. Claro que tarifas sobre importados causarão danos. O que também é preocupante em relação às tarifas é que a Europa vai retaliar, por questões políticas. Daí, Trump vai retaliar e quem sabe onde isso irá parar.

6. Em relação à China, como o sr. avalia a tendência da economia do país neste ano?

A economia da China está muito fraca e terá sorte se crescer de 2% a 3%, na média, nos próximos 10 anos. Na China, ( autoridades) dizem que o país está crescendo a 4,5%. Eu não acredito. Há uma crise financeira reprimida até no mercado imobiliário. Há sobrecarga de ( obras) em infraestrutura e habitação. A excessiva centralização do poder é fenomenal. Todas as grandes corporações estão sendo assumidas, até certo ponto, pelo Partido Comunista. Essa não é uma receita para uma economia dinâmica. (Estadão Conteúdo)

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