Dia Nacional de Lutas em Defesa do Estado Laico: a fé e a crença (ou a não-crença) de cada um

Até 1890 o Brasil era um Estado católico. Enquanto Brasil Colônia, Estado e Igreja eram tão misturados que se confundiam nas prerrogativas, missões e funções. Até inquisição tivemos por aqui! Ofender a Igreja era ofensa divina e real, já que os reis e membros da igreja eram todos divinos. Em 1824, quando Dom Pedro I tomou para si elaborar a Constituição, o Brasil tornou-se, legalmente, um país católico. Só à igreja católica era permitida a construção de templos, missas, educação, e outras lucrativas tarefas.

A vinda dos imigrantes europeus, muitos deles protestantes, fez com que cultos domésticos resolvessem temporariamente o problema. Veio o 15 de novembro, a igreja católica obviamente posicionou-se contra os militares e, em 7 de janeiro de 1890 foi promulgada a primeira lei separando o Estado da Igreja, possibilitando que imigrantes construíssem seus templos e exercessem sua fé. A respeito de crenças de origem africana ou indígena, nada.

Apenas uma breve ressalva: não seriam permitidas práticas “ofensivas à moral e aos bons costumes”. Neste período, capoeira, samba de roda e práticas africanas foram violentamente reprimidas. Outras Constituições foram escritas, o tema não evoluía. Até que o comunista Jorge Amado, deputado constituinte, trouxe o assunto e em 1946 aprovou-se: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença…salvo o que contrariar a ordem pública.” Melhorou um pouquinho, mas ainda havia espaço para a repressão.

Liberdade de crença, mesmo, só a partir de 1988. Nossa constituição garante, em seu art. 5°, a liberdade e o livre exercício de cultos religiosos, e dá garantias de proteção na forma da lei. É um direito fundamental, individual e inalienável. Ainda segundo a constituição, o Brasil é um país laico, ou seja, onde todas as crenças são permitidas e perseguição religiosa é crime. Na lei, tudo certo, na prática, nem tanto. Houve a necessidade da criação da Associação Movimento Brasil Laico, entidade nacional, registrada, que centra sua luta na defesa da laicidade, contra a intolerância religiosa, e na denúncia e impedimento de práticas religiosas ilegais. Como a  propaganda eleitoral dentro dos templos cristãos, prática bastante utilizada pelos segmentos neopentecostais, combatidas e denunciadas nas duas últimas eleições.

Embora o assunto seja importantíssimo, ainda existem confusões, algumas propositais. Estado laico é o oposto do Estado ateu, e este segundo é o que proíbe igrejas e religiões. A permissão de crença e exercício religioso não significa a imposição de símbolos e práticas religiosas a pessoas que professam outros cultos. E, o mais importante, é crime qualquer tentativa de transformar fundamentos religiosos em leis que possam afetar a vida de toda uma população, com diferentes crenças ou sem crença. Ainda mais: não aceitar pregações ou participações em cerimônias cristãs não caracteriza cristofobia ou intolerância religiosa. Religião é um assunto de foro íntimo, quem não deseja ser doutrinado tem direito absoluto de se recusar.

O direito de exercer sua crença é estendido também aos que não tem crença, como os ateus, ou de manter para si suas tendências religiosas, como os agnósticos. Embora a lei seja explícita, algumas correntes religiosas baseadas no texto abraâmico tem tentado negar avanços legais e interferir na vida de mulheres e homens brasileiros. Acumulam-se leis de caráter ultra-conservador, como impedir a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos ou resultantes de violência sexual, proibir que famílias não convencionais não recebam benefícios sociais, entre outros absurdos.

Daí a importância da construção desta data como dia de lutas. Informe-se mais, reflita sobre o assunto, rebele-se contra a imposição de ideias religiosas alheias. Combata o fundamentalismo doentio que quer impor a todos algo que só satisfaz ao atraso e ao conservadorismo.

* Regina Abrahão é feminista, acadêmica de Ciências Humanas, educadora social, integrante de Coletivo Pão com Ovo e Fórum Interreligioso e do Ecumênico do RS.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

 

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