Cérebros apodrecidos

A vida hiperconectada dos dias atuais tem repercutido de uma maneira preocupante junto à população de usuários da internet, que hoje somam aos bilhões. Os alertas começam a ser mais frequentes sobre alguns aspectos disfuncionais no uso excessivo de smartphones, tablets e videogames. O acesso diário a conteúdos que demandam baixo esforço mental e sua correlação com a estagnação ou deterioração cognitiva configura-se hoje num enorme problema. Não por acaso, a palavra escolhida para 2024 pelo tradicionalíssimo dicionário Oxford foi “brain rot”, que literalmente significa “cérebro apodrecido”, refletindo preocupação crescente com os efeitos nocivos do consumo demasiado de conteúdos superficiais, especialmente nas redes sociais.

Embora o termo “brain rot” não seja novo, já tendo sido mencionado por Henry David Thoreau, em 1854, ele ganha atualidade e relevância num novo contexto, marcado pelo contraste entre os extraordinários avanços tecnológicos deste início de milênio e alguns de seus impactos negativos sobre a nossa memória, atenção e linguagem. Entretanto, mais do que um diagnóstico, a escolha da palavra “brain rot” pela Oxford, serve como um convite para o repensar dos hábitos digitais, hoje absolutamente enraizados em nosso comportamento.

Um dos especialistas que mais tem estudado o fenômeno dos efeitos da hiperconexão digital é Jonathan Haidt, professor da Universidade de Nova York. Para ele, está muito claro que as crianças e os jovens são os mais desprotegidos e aqueles que mais requerem atenção, seja dos pais, seja das autoridades envolvidas com o processo de regulação das redes sociais e o uso excessivo de smartphones, inclusive nas escolas. Para Haidt, “estamos resguardando excessivamente nossos filhos no mundo real, mas não os estamos protegendo na internet”. Essa realidade tem aumentado extraordinariamente a ansiedade entre crianças e adolescentes, repercutindo na explosão de casos de depressão, automutilação e suicídios.

A infância baseada no hábito de brincar, característica da década de 80, foi gradualmente substituída pela infância baseada no uso indiscriminado do celular. Essa diminuição das interações pessoais, desde a mais tenra infância, compromete o desenvolvimento cognitivo mais pleno das habilidades sociais, da atenção e memória e ameaça o futuro dos jovens, hoje dependentes de smartphones e outros aparelhos conectados à internet.

Apesar de também nos adultos existir forte impacto no uso massivo da internet e das redes sociais, tais como redução da produtividade, fadiga mental, diminuição da criatividade e sentimentos de vazio e alienação, é nas crianças que a atenção maior precisa ser dada. Segundo Patrícia Greenfield, “Cada mídia tem seus pontos fortes e suas fraquezas; cada mídia desenvolve algumas habilidades cognitivas às custas de outras. Embora a internet possa desenvolver uma inteligência visual impressionante, compromete, por outro lado, o processamento profundo: a aquisição consciente de conhecimentos, a análise indutiva, o pensamento crítico, a imaginação e a reflexão.

A psicóloga de Harvard, Steiner-Adair é ainda mais contundente: “Falar que as crianças estão sendo viciadas não é um exagero, mas uma realidade clínica. Como adultos, nos é dada a faculdade de bagunçar as nossas mentes, mas um pai e uma mãe zelosos não arriscariam dessa forma, conscientemente, o futuro dos seus filhos. Ainda assim, infelizmente, estamos entregando esses recursos viciosos aos nossos filhos, que são ainda mais vulneráveis sob o impacto do uso diário da internet sobre os seus cérebros em desenvolvimento, no afã de estarmos sendo “modernos”.

O fenômeno acima tratado, em essência, reflete um desafio do nosso tempo: encontrar equilíbrio entre o uso da tecnologia e o cultivo de uma vida mental ativa e saudável, com ênfase para a coragem em estabelecer limites, particularmente entre crianças e jovens. Uma das medidas, dentro desse contexto e que parece caminhar nessa direção, é a proibição do uso de celulares nas escolas. Não temos tempo a perder.

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