As pulsões expansionistas de Trump

2024 foi o ano mais quente já registrado mundialmente e o primeiro em que a temperatura média global ultrapassou a marca de 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industrialização. O número bateu a marca tida como limite pelo Acordo de Paris, a partir do qual teremos desastres climáticos graves. Malibu, uma das mecas dos bilionários americanos, tem ardido em chamas, assim como vários bairros de Los Angeles, numa antevisão pavorosa do que poderá advir da crise climática que virou realidade e da qual emergirão profundos reflexos sociais, econômicos e políticos. E é na política que emerge outra grande incógnita para o futuro. Donald Trump, eleito novamente para a Casa Branca, retorna com um comportamento ainda mais imprevisível, aliando ao seu já conhecido exotismo retórico, intempestivas pulsões expansionistas, mirando sua metralhadora verbal contra alvos externos, paradoxalmente países aliados dos EUA, como o Panamá, Canadá, Dinamarca e México, tornando um cenário que já era complexo, agora ainda mais incerto.

Compreender o comportamento de Trump, nesse contexto, tem sido um desafio nada simples para todos que se preocupam com os destinos do planeta e isso simplesmente porque os EUA são, apesar das apressadas conclusões sobre o seu declínio, uma potência extraordinariamente representativa e poderosa. Uma forma de sondar os motivos que movem o próximo presidente americano é analisar aquilo que ele pensa do mundo e, para tanto, faz sentido olhar para o seu passado e para aquilo que ele acredita, uma vez ser claro que Trump replica na sua experiência pública, agora ainda com mais veemência, toda a singularidade e controvérsias de suas experiências privadas.

Há, nesse argumento, o reconhecimento de Trump ter sido um empresário polêmico, envolvido em grandes e também nebulosos negócios, autocentrado e egocêntrico, a ponto de não ter desenvolvido uma visão adequada do mundo e suas complexas e históricas correlações. As declarações que deu em relação a uma possível anexação do Canadá, do Canal do Panamá, da Groenlândia e da sugestão de mudança do nome do Golfo do México dão a dimensão da ordem de desatino ao qual Trump foi acometido. Contudo, tributar apenas a indolentes devaneios as suas estripulias, talvez seja insuficiente. Em 1987, Trump lançou o livro “A arte da negociação”, obra que publicou em forma autobiográfica, escrita pelo jornalista Tony Schwartz, exaltando o “modo Trump de ser”, figurando por 48 semanas na lista dos mais vendidos do New York Times. O livro encapsula a filosofia de Trump de combinar confiança, agressividade e criatividade para alcançar o sucesso. A publicação, ao tempo em que ajudou a construir o mito Donald Trump, levou Tony Schwartz a ter remorsos, a ponto de, em 2016, declarar à revista New Yorker que havia colocado “batom num porco”, após ter sido pago para construir, nas palavras dele, uma fantasia em torno de Donald Trump.

Em síntese, a autobiografia se concentrou em demonstrar que Donald Trump enxergava o mundo como um grande jogo, uma negociação na qual uma tacada forte e impactante, logo de cara, faria você obter importantes vantagens. Tem sido agora, para espanto geral, que essa visão predatória, herdada de seu passado empresarial, transmutou em alucinados sonhos expansionistas, levando-o a atacar países historicamente amigos e abrir flancos de atrito sem nenhuma necessidade. O mundo geopolítico, entretanto, não é igual à compra hostil de uma empresa qualquer, tampouco tolera blefes impunemente. O contrassenso presente na questão do “espaço vital” trumpista ignora toda a tecitura institucional e diplomática do conceito de soberania dos países, construída em séculos. Ademais, as falas improváveis de Trump acerca de seus delírios expansionistas, trazem a inevitável comparação com a trágica memória do famigerado “lebensraum”, bem como escancara outros riscos existentes ao permitir-se que o mesmo arrivista volte a destilar seus mais alucinados propósitos no mesmo palco onde já havia sugerido como seria um segundo mandato.

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