Trincheira da luta pela democratização da comunicação perde Marco Weissheimer

Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi

Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Desde que recebi a notícia da partida do Marco Aurélio Weissheimer, na noite deste sábado (18), fiquei pensando o que escrever. Marco não merece um simples obituário ou uma matéria informativa. Não, logo ele que nos presenteou com tantos artigos, reportagens e análises aprofundadas da realidade.

Fomos contemporâneos na Unisinos, na década de 1990. Quando ele criou o Blog RS Urgente, em 2005, eu já atuava na comunicação sindical há 10 anos. Foi um dos pioneiros no estado do movimento que deu origem a uma série de blogues progressistas. E seu blog era um dos poucos espaços que tínhamos pras pautas dos movimentos populares.

Mas o seu trabalho com as novas mídias começou em 2001, quando a Agência Carta Maior foi lançada na primeira edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Neste mesmo período, foi tradutor e editor das primeiras edições em português do Le Monde Diplomatique.

Dessa época, o editor do site Outras Palavras, Antônio Martins, relembrou como conheceu o Marco: “Faltavam dois ou três dias para a abertura do primeiro Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, e eu me despedi de Marco Weissheimer num dos elevadores da PUC, em Porto Alegre. Ele iria comemorar 35 anos naquela noite. Havíamos nos conhecido dias antes, por intermédio de Andrea Loparic, que também nos deixou antes da hora. Fora uma descoberta feliz. Marco, que havia cursado Lógica com Andrea, tinha a abertura para o que o Fórum significava para a criação de uma nova cultura política de esquerda; mas, ao mesmo tempo, a ponderação para saber que o novo não poderia emergir sem diálogo com o antigo. Escrevia muito bem e pensava melhor. Quis ajudar a construir um mundo novo. Não chegou a vê-lo. Na vida, não há batalhas finais. Por isso, lutamos.”

Sul21, um site comprometido com as lutas


Participação num dos tantos encontros para debater a democratização da comunicação / Foto: Divulgação

Em 2010, estava junto na criação do Sul21, um veículo de comunicação comprometido com as lutas sociais. Nos primeiros anos, escreveu frequentemente para o site. Em janeiro de 2015, assumiu o cargo de repórter especial no Sul21. Em 2019, encabeçou o movimento que levou a redação do Sul21 a assumir a gestão do site, que passou a ser uma empresa comandada pelo que era, até então, sua equipe de funcionários mais longevos. 

Atualmente era sócio, repórter e editor do Sul21, além de colunista do jornal Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS). Também é autor dos livros: “Bolsa Família – Avanços, Limites e Possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil”. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo 2006; e “Governar na Crise. Um olhar sobre o governo Tarso Genro”. Porto Alegre, Libretos, 2017. Também tem artigos publicados em vários livros, entre eles Golpe 16 (vários autores, organizado por Renato Rovai – São Paulo: Editora Fórum, 2016), e Enciclopédia do golpe – Vol. II, O papel da mídia (São Paulo. Projeto Editorial Práxis, 2018).

Durante cinco anos, desde 2017, foi também o mediador do projeto Conversas Cidadãs, uma parceria entre o Sul21 e o Goethe-Institut Porto Alegre, que se dedicou a debater temas estratégicos para a defesa da cidadania, da democracia e da qualidade de vida.

Nestes mais de 25 anos atuando na trincheira da luta pela democratização da comunicação foram muitas trocas. Muitas mesas compartilhadas pra debater a nossa comunicação e construir redes!

No lançamento do Brasil de Fato RS, em 2016, lá também estava o Marco. Não havia convite que eu lhe fizesse que ele não estava junto, ombro a ombro, refletindo como avançarmos na batalha das ideias.

Yoga, Filosofia e Comunicação


Visita ao assentamento do MST em Eldorado do Sul, Região Metropolitana de Porto Alegre, numa das várias pautas sobre o movimento / Foto: Joana Gutterres Berwanger/Sul21

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Natural de Caxias do Sul, Marco era bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O câncer o levou aos 60 anos. Marco enfrentava um melanoma desde 2012, tendo sido internado no Hospital Conceição em dezembro passado. Durante o período em que esteve em tratamento, acentuou a busca pelo equilíbrio por meio do Yoga, que já praticava e do qual se tornou instrutor. Também buscava uma alimentação saudável e era um incentivador da agricultura familiar e da agroecologia.

Em julho de 2022, foi realizada uma forte campanha solidária arrecadando fundos para ajudar no tratamento de Marco. Em suas redes sociais, nos mantinha informados de seu tratamento. “No dia 19 de agosto [2022], após um longo e complicado processo judicial para obter acesso a um medicamento bastante caro, iniciei o tratamento de meu melanoma via imunoterapia no GHC. Alguns dias antes, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), indeferiu o recurso da União que tentava suspender a liminar da Justiça Federal que determinou o início do tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A partir daí as coisas andaram rápido. A Farmácia do Estado liberou o medicamento e a primeira sessão de imunoterapia no GHC foi marcada na mesma semana.”

Neste mesmo relato, em que chamou de Meu corredor, finalizou; “O atendimento de todos os servidores do GHC, começando pela recepção, passando pela ascensorista e chegando aos médicos, médicas e enfermeiras, foi exemplar. Um exemplo do que o SUS pode significar na vida das pessoas, em meio a tantas adversidades e carências agravadas nos últimos anos. No GHC, tive a experiência disso na primeira pessoa e já me sinto parte da comunidade do corredor da onco.”


Marco foi uma referência pra todas e todos nós que acreditamos num Jornalismo ético e comprometido com a verdade e a vida / Foto: Arquivo Pessoal

Outros textos que traziam mais da sua sensibilidade eram sobre a prática de Yoga: “Comecei a praticar Yoga em 2019, sem maiores pretensões. O caminho iniciado aí tornou-se, porém, rapidamente descoberta e reconexão com algumas das melhores versões de mim mesmo.” No final de 2023 celebrava um convite para passar a integrar o time de professoras e professores do Bijam Yoga. “Fiquei meio atônito, confesso. Foi totalmente inesperado. Ao receber o convite, um dos primeiros pensamentos que me veio à mente foi: não estou preparado. Ao mesmo tempo, sabia que nunca estamos inteiramente preparados quando somos defrontados com esses desafios.”


“Comecei a praticar Yoga em 2019, sem maiores pretensões. O caminho iniciado aí tornou-se, porém, rapidamente descoberta e reconexão com algumas das melhores versões de mim mesmo” / Foto: Arquivo Pessoal

O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)

Numa conversa com uma amiga em comum, que conseguiu fazer sua despedida na quinta-feira passada, ela comentou que era visível a diferença que a Yoga fez em seu corpo, a presença e tônus, mesmo na hora da partida.

Não estamos preparadas pra lidar com a morte, mais uma ausência na nossa cultura ocidental. Sem pretensão, quis neste texto trazer um pouco das muitas faces desse ser humano que nos inundou com suas utopias.

Marco foi uma referência pra todas e todos nós que acreditamos num Jornalismo ético e comprometido com a verdade e a vida! Fará falta, mas nesta teia da existência teceu muitos fios que se multiplicaram e continuarão entrelaçando essa grande colcha por um outro mundo. Nós, da equipe do Brasil de Fato RS, lhes somos muito gratos por toda a troca e abertura de caminhos!

Vá em paz, querido amigo! Nós ficaremos por aqui mais um tempo dando propósito a tua luta!

Pra quem quiser fazer a sua homenagem ao Marco, a cerimônia será neste domingo, das 13h às 18h, no Angelus Memorial e Crematório, em Porto Alegre.

Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


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