Vão enlouquecer Lula (Por Juan Arias)

O presidente Lula enfrenta um dos problemas mais delicados do seu novo governo devido à tragédia climática na rica região do Rio Grande do Sul, repleta de cadáveres e com mais de um milhão de pessoas afetadas, sem luz e sem água.

O Governo tem sido rápido em mover todos os botões para aliviar tanta dor e tantas mortes precisamente na região que lhe é mais adversa politicamente. É aquela parte rica do país onde se concentra o maior contingente de fiéis seguidores da extrema-direita de Bolsonaro .

Não só uma das maiores riquezas do país está concentrada no Rio Grande do Sul graças à força do agronegócio, mas também a extrema direita do país, centro de inimigos de tudo que soa de esquerda. Entre eles está uma grande massa de evangélicos, que sempre resiste a Lula. É a religião que melhor representa o lema da direita de Deus, da pátria e da família.

E mais uma vez Lula se viu entre a espada e a espada: esquecer os cálculos puramente políticos e dedicar-se a ajudar as vítimas da tragédia, mobilizando todas as forças do Governo ou deixá-las entregues à sua sorte.

O momento é duplamente difícil porque Lula é pressionado pelo seu povo a tomar decisões que nem sempre respondem à sua idiossincrasia, a do político de esquerda, que já no seu primeiro Governo trocou o traje sindical “barbudo” pelas gravatas Armani e. cunhou a frase histórica “Lula: paz e amor”.

Foi isso que o levou a dizer um dia que era uma “metamorfose ambulante”. E foi. Em todos os seus governos soube adaptar-se ao clima político do momento: com o braço dos grandes líderes da política de direita e dos movimentos mais de esquerda.

Agora, em seu terceiro mandato, Lula se encontra numa encruzilhada e para sair dela precisará tirar a poeira de suas habilidades de metamorfose. O problema não é fácil e em alguns aspectos ele parece sofrer uma certa confusão, já que os problemas vêm de dentro do seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), e do seu assessor oficial de imagem, Sidônio Palmeira. Isso pode acabar desconcertando você.

A ala mais à esquerda, a começar pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, preferiria um confronto frontal com a oposição sem meias medidas. Prefere a guerra aberta contra a direita e o confronto destemido com Bolsonaro que continua, embora inelegível, a ser o centro indiscutível da extrema-direita golpista e até da simples direita. E ele ainda está livre e bem, mobilizando milhares de seguidores em seus comícios de rua.

O problema, segundo os assessores de imagem de Lula, é que, como revelam todas as pesquisas, não é possível que o Governo seja melhor em todos os índices econômicos e sociais em comparação com a forma como a sociedade o percebe. E estão pressionando-o a esquecer Bolsonaro, chamando-o de “covarde” e tentando arrancar do bolsonarismo fascista suas bandeiras de Deus, da pátria e da família.

Lula está de alguma forma entre a espada e a espada. Por um lado, ele odeia e despreza Bolsonaro como personagem e gostaria de vê-lo preso o mais rápido possível , e ao mesmo tempo tem que enfrentar uma sociedade que o tornou famoso e bem sucedido com seu slogan de “paz e amor”, de ser uma espécie de pai dos pobres, mas ao mesmo tempo próximo dos ricos. E agora seu desejo é conquistar aquela classe média que nunca o tolerou.

Não se sabe se é por influência de sua esposa, Janja , uma grande ativista e feminista que não se contenta em ser a simples primeira-dama da Presidência. Ou porque Lula não se contenta com o paradoxo de que tudo está a melhorar no país e continua a cair em todas as sondagens que não parecem refletir o que realmente está a fazer o seu novo e terceiro Governo, onde já pensa em concorrer a um quarto mandato em 2026. A verdade é que o ex-sindicalista está se esforçando para mudar.

Um exemplo que se notou durante a tragédia que aflige o Estado mais bolsonarista, mais evangélico e mais distante foi sua atitude terna revelada na dor causada pela notícia de que um cavalo havia ficado preso em um telhado durante as tempestades, sem condições de sair.

“Fui dormir inquieto com a imagem de um cavalo no telhado. “Começo a imaginar o que aquele pobre cavalo estava passando sozinho naquele telhado”, comentou. E acrescentou: “Espero que durante algum tempo ninguém monte esse cavalo porque ele merece um bom descanso”. Enquanto isso, sua esposa Janja, que mobilizou o Exército para salvar o cavalo Caramelo, apareceu nas redes sociais emocionada com um cachorro perdido na tragédia que ela e o marido acabavam de adotar.

Fora da política mesquinha, às vezes nos perguntamos por que é precisamente nas tragédias que revelamos o que há de melhor em nós mesmos. Como está acontecendo nesta nova desgraça do Brasil onde está sendo exemplar a ajuda aos necessitados por parte de tantos voluntários que não se perguntam se são bolsonaristas ou lulistas. Como escreveu Preto Zezé em sua coluna O Globo: “Não precisamos de heróis, salvadores da pátria. Precisamos de líderes e de paz para nos sentirmos próximos uns dos outros.”

(Transcrito do jornal El País)

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