Emenda destina recursos para projetos envolvendo comunidades quilombolas e povo de terreiros

Uma emenda parlamentar da deputada federal Denise Pessôa (PT) destinará à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o valor de R$ 600 mil para desenvolvimento de dois projetos para o fortalecimento da igualdade racial e na qualificação das comunidades quilombolas e do povo de terreiro do RS. 

Com a presença de lideranças quilombolas e de terreiros do estado, professores, estudantes e representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e de Igualdade Racial (MIR), a destinação dos recursos foi oficializada no dia 22 de janeiro, no Salão Nobre da Reitoria da UFRGS. Cada projeto receberá R$ 300 mil em recursos e serão desenvolvidos em parceira com o MDA e o MIR. 

O Rio Grande do Sul é o estado com mais casas de terreiros no país, com cerca de 65 mil, e com o maior percentual de adeptos da umbanda e do candomblé, segundo o Censo de 2010. É o oitavo estado no país em relação a localidades quilombolas, com 203 territórios distribuídos em 75 municípios, e com uma população de 17.552 quilombolas, de acordo com o Censo Demográfico 2022. O estado possui 130 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares, sendo 113 em áreas rurais e 17 em áreas urbanas.

“Ao destinar os R$ 600 mil para as comunidades quilombolas e o povo de terreiro, nossa intenção é garantir que essas comunidades, que enfrentam tantas desigualdades, possam ter acesso a oportunidades reais de desenvolvimento”, afirma a deputada Denise Pessôa, ao Brasil de Fato RS

Na avaliação da parlamentar, a construção de um diagnóstico produtivo é uma maneira concreta de promover o fortalecimento econômico e a sustentabilidade, gerando mais emprego e renda para as pessoas que vivem nessas áreas.

Coordenador Nacional da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras em Saúde (Renafro), Baba Diba de Iyemonja, explica que as emendas foram discutidas com os representantes do Povo de Terreiro do estado juntamente com a deputada. “Ela as viabilizou pela necessidade de formação qualificada no campo do combate ao racismo e suas mais variadas expressões com ênfase no racismo religioso. Assim como também criar elementos para pensar políticas publicas permanentes para combater, e quem sabe erradicá-lo.”

Para a deputada federal, as emendas vão além da questão econômica, pois se trata de garantir que as políticas públicas sejam acessíveis e eficazes para quem mais precisa. Segundo ela, o projeto que fortalece o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), é uma forma de ampliar o acesso das comunidades quilombolas e de terreiros às políticas públicas de igualdade racial, para poderem ser mais assertivas e transformar a realidade de muitas pessoas. “É um trabalho que envolve capacitação e empoderamento, para que as lideranças dessas comunidades possam participar ativamente na construção de políticas que atendam às suas necessidades e direitos.”

Relevância dos projetos

Conforme expõe Baba Diba, as tradições neopentecostais têm feito trabalhos de cooptação e alienação do povo de terreiro e quilombos a partir de conversões com pensamentos conservadores fundamentalistas que dividem e descaracterizam as comunidades. “A falta de recurso para formação e falta de comprometimento das instituições de ensino com a pauta, inclusive na implementação da Lei 10639/2003, é flagrante. Com estes recursos faremos o que para estas instituições não é prioritário, com apoio da UFRGS que dá exemplo de inclusão.”

De acordo com a reitora Marcia Barbosa, os projetos trabalham com uma questão que consta no atual programa de gestão da UFRGS: a força da diversidade como instrumento de democracia e excelência. As emendas, prossegue a reitora, financiam dois projetos de pesquisa que se destinam a compreender a cultura quilombola e de povos de terreiro.

“Este tema é tão central que propusemos a criação de uma Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Equidade. Diversidade como mostra o estudo da McKinsey Diversity Matters torna organizações mais eficientes. Mas para que isto ocorra é fundamental entender a cultura da outra pessoa. “Inauguramos uma Universidade que compreende a sua diversidade e a transforma em seu conhecimento. Entendemos e nos transformamos.”


Rio Grande do Sul é o estado com mais casas de terreiros no país / Foto: Fabiana Reinholz

Sobre os projetos 

Conforme explica a parlamentar, a equipe da UFRGS contratará agentes dentro das próprias comunidades, especialmente mulheres, que estejam em processo de graduação para promover essa pesquisa, o que, na sua avaliação, amplia a representatividade. “Quando o processo for finalizado, com um diagnóstico de produção em mãos, vamos incentivar o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade em busca de emprego e renda para quem vive em áreas quilombolas.” 

O projeto Cidadania e políticas públicas: construindo uma gestão participativa dos Territórios Quilombolas no Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com o MDA, tem coordenação do professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Hemerson Pase, que atua como colaborador no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, e do professor da UFRGS Rodrigo Stumpf Gonzalez, coordenador do mesmo PPG. 

O trabalho iniciou em dezembro de 2024 e está em fase final de seleção do grupo de trabalho. “Foram selecionadas quatro regiões do estado. Em cada uma haverá um pesquisador selecionado na comunidade, que vai levantar dados, conversar com a comunidade e lideranças dos quilombos da região, para fazer um diagnóstico das potencialidades e necessidades. Então vamos verificar quais políticas poderiam beneficiar cada local e discutir formas de implantá-las”, explica Gonzales. 

Conforme complementa Pase, o projeto tem como objetivo principal realizar um diagnóstico da sustentabilidade das comunidades rurais quilombolas do estado, a partir de uma avaliação do capital social disponível nessas comunidades. “Já existe uma literatura que faz um diagnóstico das comunidades, quantas pessoas são, do que vivem, qual o perfil socioeconômico, escolaridade, faixa etária. Esse projeto se propõe para, além disso, diagnosticar não só como as comunidades são, mas o que elas precisam para melhorarem de vida.”

Os agentes territoriais vão ser capacitadas para dialogar com a comunidade, lideranças e identificar as necessidades do local. “A ideia é a gente ir com muito cuidado, carinho e optuosidade para dentro das comunidades e construir com elas, a partir desse diálogo, relatórios. Isso vai possibilitar que o governo, principalmente o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério do Desenvolvimento Social possam construir políticas públicas ou acionar as políticas públicas que já existem, e canalizar para os quilombolas.”

Para o professor Gonzales, o projeto foi um grande avanço no reconhecimento dos quilombos em áreas rurais. “Muitos deles têm dificuldade de ter sustentabilidade econômica e de acessar políticas públicas que possam auxiliar. Isto muitas vezes leva ao êxodo dos mais jovens e a alternativas como arrendar as terras para proprietários vizinhos, o que coloca em risco a sobrevivência do quilombo a longo prazo.” De acordo com ele, este é um projeto piloto, para verificar se esta metodologia causará um impacto significativo, e também uma forma da Universidade ter mais contato com a comunidade e que o conhecimento gerado beneficie a população.

“Nós conseguimos com esse projeto viabilizar a contratação de quatro agentes territoriais, e mais dois assistentes da coordenação para sistematizar os dados. Nós não vamos conseguir cobrir todas as as comunidades quilombolas do estado. Mas vamos dar conta de quatro grandes regiões (Mostardas, São Lourenço, Caçapava e Rosário). A nossa expectativa é, caso a gente consiga efetivamente realizar o que estamos nos propondo, renovar o projeto, quiçá ampliá-lo para o próximo ano. Para assim conseguir, com a metodologia já mais alinhada, calibrada, cobrir todo o estado e quem sabe, inclusive, pensar em coisas um pouco maiores, em termos de Brasil, por exemplo”, expõe Pase.

A estimativa é que até o final de 2025 sejam apresentados os resultados. 


RS possui 130 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares / Foto: Clara Aguiar

O segundo projeto contemplado, Agentes de Promoção da Igualdade Racial do Povo de Terreiro, é coordenado pela professora Miriam Cristiane Alves, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS, e executado em parceria com o MIR. A iniciativa contempla a formação e o protagonismo de lideranças de terreiro para fortalecer capacidades institucionais de estruturas locais de promoção da igualdade racial. 

“O projeto de extensão Agentes de Promoção da Igualdade Racial do Povo de Terreiro aposta no protagonismo de lideranças de comunidades tradicionais de terreiro de matriz africana para fortalecer as capacidades institucionais das estruturas locais de promoção da igualdade racial e atuar como articuladoras/es e mobilizadoras/es sociais, fazendo a ponte entre as instituições parceiras, a sociedade civil e os órgãos de políticas públicas comprometidos com a promoção da igualdade racial e com o enfrentamento ao racismo”, destaca Miriam

O projeto prevê a contratação de quatro agentes distribuídos em cinco municípios: Porto Alegre, Alvorada, Viamão, Gravataí e Guaíba. As/os agentes atuarão alinhadas/os aos princípios da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, quais sejam, transversalidade, participação e descentralização. 

No período de 8 de março a 3 de maio será realizado o curso de formação de agentes, com previsão de 60 participantes – lideranças de comunidades tradicionais de terreiro dos municípios de Porto Alegre, Alvorada, Viamão, Gravataí e Guaíba. Ao longo do curso de formação, já iniciarão algumas incidências nos municípios, que serão potencializadas até novembro de 2025. Além disso será organizado um e-book sobre as experiências e discussões desenvolvidas ao longo do processo de implementação do projeto. Em dezembro de 2025, deverá ocorrer o Encontro Metropolitano sobre o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade.

Para Baba Diba, recursos para realização de ações de formação de agentes ao combate ao racismo com vivenciadores de terreiro é um grande passo para criação de uma cultura de comportamento antirracista num ambiente social onde o colonialismo é constante. “Incentivar um pensamento decolonial é fundamental para que mesmo em ambiente de terreiro ou quilombo não reproduza um comportamento racista naturalizado.”


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