Bom Fim enfrenta guerra sem fim contra assaltos, drogas e roubos

O Bairro Bom Fim* já foi o santuário dos estudantes, alternativos, gente que curtia a noite e os seus bares famosos. A grande maioria foi desaparecendo com o tempo. Todo mundo do bairro lembra do Scala, do Marius, do Escaler, da lanchonete do seu Leão. Era point de várias tribos. Jornalistas, hippies, músicos, artesãos, artistas de teatro e tantos outros. Agora, parece que tudo mudou. Virou zona comercial.


Bar Escaler lotava aos domingos / Foto: Reprodução PMPA

Uma nota publicada nas redes sociais na semana passada pela Associação Bom Fim Em Defesa da Comunidade mostra que há divergências na área em função dos novos tempos: assaltos noturnos, brigas, gritarias, drogas em profusão, muita gente dormindo nas ruas, transformando o local e suas periferias. Empresários, cansados de apelos às autoridades, estão decidindo agir por conta e risco e executar ações de reação direta às situações de insegurança.

A Associação não concorda. Ela exige das autoridades proteção à população, comércio e moradores. Não quer aumentar a violência. Pretende cobrar, com mais afinco, prevenção e realização de ações de contenção desta onda de confusão. “A política de olho por olho não faz parte da nossa atuação. Agiremos dentro da lei sob pena de nos tornar iguais aos que a transgridem”, afirma Milton Gérson, vice-presidente da entidade.

Para ele, a razão desta situação de descontrole que ocorre é a falta de investimentos sociais – saúde, educação, moradia digna, geração de empregos e renda, entre outros. “Aqui existe uma horda de excluídos de todas as naturezas, tráfico de drogas em abundância e efetivos de segurança bem abaixo do que o necessário para atender as demandas crescentes”, afirma. Ele defende discussão profunda sobre o caos ali estabelecido, sem radicalismos e superficialidades e participação em fóruns governamentais e sociais nas quais se pode debater o tema.

Um caso relatado pelo porta-voz do Bairro, o Fala Bom Fim, relatou nesta semana que a Fold Pizzaria, na Fernandes Vieira, já foi assaltada duas vezes só em 2025. Imagens captadas por uma câmera de segurança mostram o indivíduo, sem camisa, forçando a grade com um caibro de madeira e ter espaço suficiente para passar para o lado de dentro. Por algumas vezes, durante todo o processo, ele disfarça, caminha, solta o caibro, vai até o meio da rua e olha na direção da Avenida Osvaldo Aranha, onde em diagonal com a Fernandes está o Posto da Brigada Militar.


Reprodução Facebook

É só um entre tantos casos. Comerciantes se queixam de que todos os dias acontecem estes tipos de assaltos, variando de ponto e local. O comandante do 9º Batalhão da Polícia Militar, Tenente-Coronel Hermes Wolker, informa que duas patrulhas foram criadas fora do chamado pelo 190 para circular nesse horário e realizar abordagens de pessoas suspeitas que transitam pelas ruas. “Estamos intensificando as abordagens na área”, garante.  Também, por solicitação de Wolker, deve acontecer uma reunião com o novo titular da secretaria municipal de Assistência Social, Juliano Passini. “No encontro vamos buscar alinhar ações entre a Brigada e o órgão da Prefeitura”, garante.

Redes sociais

Os que se opõem ao pedido de ‘calma nesta hora’ discutem pelas redes sociais. Alguns pedem união e a realização de rondas noturnas para evitar novos prejuízos ao comércio. Há também a sugestão de contratação de grupos de segurança para controlar a área. Uma internauta garante que não há outra saída a não ser partir para um projeto de defesa. “Estão rindo de nós, parecemos palhaços do bairro. Trabalhar pra pagar consertos que eles estragam, trabalhar pra ser roubado dezenas de vezes por ano”, diz outra. “É desanimador, rondas e uma boa surra. Estamos apanhando todo dia. Vamos inverter os papéis”, afirma.

A Associação não quer nada deste tipo de conflito. Quer colocar as autoridades para resolver o assunto. Na comunidade, apesar das projeções de novas ações policiais, o efeito de cada arrombamento gera uma sensação de desânimo. Esse é o pensamento majoritário dos quase 250 empresários que participam do grupo administrado pela associação. No grupo de moradores, com número semelhante de integrantes, representantes das ruas do Bom Fim, não é diferente.

Para o vereador Rafael Fleck (MDB), que tem forte atuação no bairro, é preciso avançar e, com diálogo, encontrar formas para reduzir as ocorrências, porque elas criam um clima de instabilidade e de revolta, capaz de piorar e colocar em risco quem empreende, trabalha e reside no Bom Fim. “Não vamos deixar que o Bom Fim, o bairro mais lembrado da cidade, se torne uma terra de ninguém”, disse.

Há um outro grupo que atua no Bom Fim, mas em outra direção. O Clube do Bonfa.

“Unidos pela Solidariedade e Colaboração Nós, do Clube do Bonfa, somos indivíduos de diversas origens, unidos pelo desejo de reunir e fortalecer os laços de quem ama o bairro Bom Fim. Em meio à crise econômica, pandemia e enchente em Porto Alegre, nossa união como moradores, empreendedores e consumidores do bairro Bom Fim é essencial. Acreditamos que nossa força reside na união, onde cada um de nós desempenha um papel único na construção de uma nova economia e de um futuro melhor. Valorizamos a diversidade como nossa maior riqueza e promovemos estruturas de solidariedade e cooperação mútua. Nosso movimento visa um mundo onde cada pessoa é valorizada por sua contribuição à sociedade. Lutamos por direitos coletivos, reconhecendo que o verdadeiro progresso vem da cooperação e do compartilhamento de recursos. Em memória das lutas passadas e em preparação para os desafios futuros, comprometemo-nos a ser agentes de mudança. Queremos construir pontes onde há divisões e criar um mundo onde a dignidade humana é respeitada. Unidos na esperança, na determinação e na ação!”, afirma nota da entidade, recentemente criada.

Delitos

Para Milton Gérson, da Associação, a onda de violência que está em alta no momento, é de baixo potencial. “O risco à vida é menor, mas por outro lado nos leva a uma situação de enxugar gelo. Digo isso, porque o Judiciário, amparado pela legislação, não prende esse tipo de infrator. Faz o Boletim de Ocorrência, abre o processo, mas não deixa preso. Muito disso por conta do sistema penitenciário falido, superlotado e desestruturado que temos no país. Dessa forma, o ciclo se repete, às vezes, pelo mesmo indivíduo. Diariamente recebemos informações de casos, alguns já ocorridos, outros no momento em que está acontecendo e, na medida do possível repassamos para a Brigada Militar e para a Guarda Municipal”, garante.

Ele informa que o vereador Rafael Fleck, que é morador do bairro e tem escritório de advocacia ali também, está intercedendo junto aos órgãos municipais, em especial à FASC/Secretaria Municipal de Ação Social, DMLU, EPTC e Secretaria de Serviços Urbanos, para tratar da questão dos moradores em situação de rua, da fragilidade dos contêineres de coleta dos resíduos orgânicos domésticos e da coleta seletiva, da ocupação irregular do leito de algumas vias em locais de vida noturna, e da poda das árvores para permitir uma melhor passagem da iluminação.

“Veja que quando falamos em moradores em situação de rua, não se trata de uma ação bruta e de expurgo dessa população, mas de abordagem social, de acolhimento e, também, de identificação daqueles indivíduos que não fazem parte desse grupo, mas se infiltram para o cometimento de delitos, que em sua grande maioria são praticados por pessoas que buscam recursos para a compra de drogas (arrombamentos noturnos de estabelecimentos comerciais e de garagens de condomínios, ou por estelionatários – golpe do bilhete, do troco, furto de celulares em momento de descuido nos comércios”, conta Milton Gérson.

Ele lembra que, além de vice-presidente da Associação dos Amigos do Bairro Bom Fim, editor do jornal Fala Bom Fim, preside também a Associação Hebraica RS e atua como jornalista na Câmara Municipal, hoje no gabinete do vereador Rafael Fleck, tendo passado pelo vereador Isaac Ainhorn, Mauro Zacher, João Bosco Vaz e pelo setor de comunicação institucional do Legislativo, onde presta serviços há mais de 30 anos. “Tenho experiência no bairro e estamos sempre atentos. Então, resumindo, temos duas frentes que são a policial, cuja presença preventiva certamente afasta um pouco esses indivíduos; a investigativa, que por vezes resulta em registros, mas não em prisões efetivamente; e as que estão na alçada dos demais órgãos municipais, para tentar qualificar o serviço de atendimento social, de organização da cidade e reduzir a sensação de insegurança que, também nesse período de férias aumenta por conta do vazio da cidade.”

Tambor tribal

A questão do Bom Fim é um problema que ocorre em vários outros bairros da cidade. O clima é de insegurança quase geral, embora o Governo do Estado diga que as estatística são animadoras e não é tudo que se fala por aí. Juremir Machado da Silva, morador do Bom Fim, cronista do site de notícias Matinal, não se cansa de falar sobre o tema. Agora, ele escreveu sobre o “Tambor tribal”. Confira. Se encaixa perfeitamente na situação vivida por um histórico bairro da cidade.

“A violência noturna no bairro Bom Fim e adjacências, em Porto Alegre, não para de crescer. Estabelecimentos são arrombados noite após noite. Empresários estão inquietos e divididos. Um grupo quer investir em segurança privada. Outro, defende que se pressione as autoridades. O primeiro time está cansado de esperar providências públicas. O outro teme que seja formado uma espécie de milícia. Os debates acontecem num grupo de WhatsApp. Há poucos dias uma clínica para crianças com deficiência foi saqueada, despojada de tudo, especialmente de fiação. O Bom Fim tem muito voto de esquerda. Será que isso inibe ações mais veementes dos governos municipal e estadual? Não posso crer. Parece que estatísticas garantem que o período é de redução dos furtos e arrombamentos. A realidade mostra bem o contrário. O teor das conversas é de indignação e desespero.”

* Bom Fim é um bairro nobre na zona central de Porto Alegre, criado pela lei 2022 de 7 de dezembro de 1959. Em 2019 o bairro contava com: 11.593 habitantes, distribuídos por seus 49,5 hectares. A taxa de analfabetismo do bairro era de 0,25%, acentuadamente menor que o índice geral de Porto Alegre que era de 3,86%. A renda média era de 7,2 salários mínimos por domicílio. O seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é de 0,938, elevado em comparação o índice de 0,805 da cidade. O Bom Fim teve origem no antigo Campo da Várzea, assim denominado popularmente. Ficava numa área pública de 69 hectares que servia de acampamento para os carreteiros e na qual permanecia o gado destinado ao abastecimento da cidade. O Campo da Várzea passou a ser conhecido como Campos do Bom Fim devido à construção da Capela Nosso Senhor Jesus do Bom Fim,[2] iniciada em 1867 e concluída em 1872.


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