Lei da Mordaça: sindicato e Defensoria Pública contestam censura nas escolas de Porto Alegre

Entidades reagem contra a Lei Municipal 14.177/2025, conhecida como “Lei da Mordaça”, promulgada em Porto Alegre no dia 5 de fevereiro. Essa legislação impõe restrições ao ensino de temas sociopolíticos nas escolas municipais, proibindo manifestações pessoais de professores que possam influenciar alunos em questões políticas e ideológicas. A justificativa oficial da lei é garantir a imparcialidade no ensino e combater uma suposta doutrinação ideológica. No entanto, sindicato e a Defensoria Pública argumentam que a norma fere princípios constitucionais fundamentais, impondo censura ao ambiente escolar. 

O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) com pedido de liminar para suspender os efeitos da Lei 14.177/2025. O sindicato defende que a lei representa uma ameaça à liberdade de ensino e impõe censura ao trabalho dos professores. A entidade já havia conseguido barrar um projeto semelhante em 2019, quando a Justiça anulou sua votação por não cumprir exigências da Lei Orgânica, como a realização de audiência pública. No entanto, a proposta foi desarquivada em 2024 pela vereadora Fernanda Barth (PL), mantendo o mesmo teor da versão original apresentada pelo ex-vereador Valter Nagelstein.

“A legislação prejudica tanto os professores quanto os alunos”

O Simpa alerta que a legislação prejudica tanto os professores, que podem ser perseguidos, quanto os alunos, que seriam privados de uma educação crítica e plural. Segundo a entidade, essa restrição compromete a formação cidadã dos estudantes e ameaça toda a comunidade de Porto Alegre. Além disso, acusa a Administração municipal, sob o governo de Sebastião Melo, de buscar um controle ideológico das escolas, sem propor um modelo de gestão democrática com participação da comunidade escolar no Projeto Político-Pedagógico.

A assessoria jurídica do Simpa argumenta que a lei é flagrantemente inconstitucional, pois viola a liberdade de cátedra e impõe censura prévia, contrariando decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) e de tribunais estaduais, incluindo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que já declararam inconstitucionais medidas semelhantes. Por isso, o sindicato pede que a lei seja anulada para garantir uma educação plural e comprometida com a democracia.

Assis Brasil Olegario Filho, da direção do Simpa, declarou ao Brasil de Fato RS que, caso a Justiça mantenha a validade da lei em primeira ou segunda instância, o sindicato recorrerá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele argumenta que já há precedentes do STF que consideram a medida inconstitucional. O diretor ressaltou que a Câmara Municipal não pode legislar sobre uma questão de competência federal e acredita que a tendência é a revogação da norma.

“Nossas expectativas são bem positivas. Além do Simpa, a própria Defensoria Pública entrou contra essa lei”, afirma. Segundo ele, a norma tem um caráter autoritário ao tentar controlar os debates entre estudantes e professores dentro da sala de aula.

“Essa lei tem na sua gênese um caráter extremamente autoritário. E tenta controlar o que acontece de debate entre os alunos, os estudantes, e os professores dentro da sala de aula”, disse. Ele criticou a justificativa de que a lei garantiria imparcialidade ao evitar uma suposta doutrinação por professores de esquerda e argumentou que, na verdade, o objetivo é impedir discussões sobre temas sociais e políticos.

“Ela [Lei 14.177/2025] tenta dizer que é uma lei imparcial, que é para controlar que os alunos vão ser doutrinados pelos professores de esquerda. Na verdade, ela quer inibir o debate sobre a conjuntura, a situação em que se vive no Brasil. ‘Por que existe pobreza?’ ‘Por que existe a concentração de renda?’, ‘Por que hoje nós temos uma crise climática?’ Que é, na verdade, para que os alunos só aprendam matemática de uma maneira sem questionar o português para depois ser mão de obra barata.”

Próprios alunos levantam questões em aula

O diretor ressaltou que, frequentemente, são os próprios alunos que levantam questões sobre temas contemporâneos. Ele relatou sua experiência como professor na rede municipal e citou o caso de uma aula em 2022 na Escola José Mariano Beck, no bairro Bom Jesus, em que os estudantes demonstraram interesse em compreender a guerra na Ucrânia e a questão do preconceito. “Os alunos começaram a questionar ‘por que tinha guerra da Ucrânia?’ ‘O que e o porquê existia a questão do preconceito?’, ‘por que pessoas julgavam as outras inferiores aos seus semelhantes?’.”

Ele também mencionou que, em 2018, organizou uma votação em duas turmas do nono ano para discutir as eleições presidenciais a pedido dos próprios alunos. O debate foi conduzido de forma mediada, sem interferência ideológica dos professores.

“Em 2018, eu fiz uma votação a pedido dos alunos. Uma votação em sala de aula em duas turmas do nono ano sobre a questão das eleições para presidente. Se via ali, na manifestação, que a maioria dos alunos, naquele momento, os guris, tinham uma predileção pelo Bolsonaro, praticamente unânime, e, as gurias, pelo Haddad. Então isso foi uma questão que foi colocada pelos alunos. Um livre debate entre eles e que o professor foi o mediador. Essa história que acha que o professor vai doutrinar a cabeça, enfiar alguma coisa, o Manifesto Comunista, na cabeça dos alunos, isso aí é uma coisa ultrapassada. E que acha que os alunos são imbecis, que são, que eles sim, eles podem ser manipulados pela direita.”

Ação da Defensoria Pública do Estado

A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), por meio de seus Núcleos de Defesa do Consumidor e de Tutelas Coletivas (Nudecontu), da Criança e do Adolescente (Nudeca) e da Diversidade Sexual e de Gênero (Nudiversi), também protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a Lei 14.177/2025. 

A Defensoria argumenta que a legislação impõe um controle excessivo sobre a relação entre professores e alunos, resultando em censura e autocensura, além de restringir a pluralidade educacional e ameaçar a diversidade de ideias. O órgão sustenta que a lei fere princípios constitucionais, como a liberdade de manifestação do pensamento, a proibição da censura e o direito à liberdade de ensinar e aprender, além de contrariar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/1990).

Além disso, a DPE/RS aponta que a norma apresenta vícios formais, pois interfere em diretrizes educacionais que são de competência exclusiva da União, conforme a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96). A Defensoria reforça que leis semelhantes, vinculadas ao movimento Escola Sem Partido, já foram declaradas inconstitucionais pelo STF.

A ação também destaca que a lei contraria princípios da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul e tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que garantem o direito à educação plural e democrática. Diante disso, a Defensoria solicita a suspensão imediata da lei até o julgamento do mérito da Adin, argumentando que a legislação prejudica todos os envolvidos no processo educacional – alunos, professores, gestores, famílias e escolas – e afeta especialmente sujeitos em situação de vulnerabilidade.

O pedido será analisado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que decidirá sobre a concessão de liminar para suspender os efeitos da norma.

* Com informações da DPE/RS. 


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