“Não vamos ratear contigo”: leia mensagens de assessor de deputado e lobista sobre desvio de emendas

Dois personagens-chave conectam as suspeitas da Polícia Federal (PF) sobre o desvio de emendas enviadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande de Sul.

O secretário parlamentar Lino Rogério da Silva, assessor do deputado, e o lobista Cliver André Fiegenbaum, dono das empresas CAF Representação e Intermediação de Negócios e Plano A, estariam por trás do suposto esquema. Ambos foram alvo de buscas nessa quinta-feira (13), na Operação EmendaFest.

A PF investiga se o deputado tinha conhecimento das irregularidades. Afonso Motta ainda não se manifestou sobre a operação. A assessoria informou que ele aguarda acesso aos autos do inquérito para se pronunciar.

Conversas obtidas pela Polícia Federal mostram negociações entre o assessor e o lobista em torno das emendas. O primeiro contato aconteceu em 8 de novembro de 2023. Fiegenbaum se apresenta e afirma que tem “um assunto interessante, legal, mas tinha que ser tratado pessoalmente.” Foram pelo menos quatro encontros em Brasília e no Rio Grande do Sul, segundo a investigação.

Nas mensagens seguintes, Lino e Fiegenbaum trocam informações sobre as emendas. O assessor envia diversos ofícios do gabinete sobre a destinação de recursos a Santa Cruz do Sul. Em dos diálogos, pergunta se outro hospital no município “tem relação com vocês”. O lobista nega, ao que Lino responde: “Já dispensei”.

Em outra conversa, o assessor pede: “Me passa o número de uma proposta do hospital. Vou tentar cancelar aquela outra.” Lino também afirma em uma das mensagens que o prazo para indicações de emendas parlamentares teria sido prorrogado e acrescenta: “Tentar encaixar as demais”.

Lino diz ainda, em outro diálogo, que não quer “estragar a parceria”. “Tu vai ver que nós não vamos ratear contigo (sic).”

Um detalhe chamou a atenção da PF na investigação. Emendas que já haviam sido apresentadas pelo deputado tiveram os destinatários originários alterados após o início das conversas entre Lino e Fiegenbaum. Afonso Motta apadrinhou três emendas ao Hospital de Santa Cruz, no valor total de R$ 1 milhão, nos anos de 2023 e 2024.

A unidade de saúde tem um contrato com a CAF Representação e Intermediação de Negócios, empresa do lobista, para “captação de recursos através de indicação de emendas parlamentares”. Fiegenbaum recebia uma comissão de 6% em cima de todo o dinheiro repassado ao hospital via emenda parlamentar. O hospital repassou pelo menos R$ 509 mil à empresa do lobista.

A Polícia Federal acredita que parte da comissão tenha voltado ao assessor do deputado Afonso Motta. O percentual também teria sido dividido com funcionários da chefia do hospital, segundo a PF. São investigados Leandro Diedrich, analista financeiro da unidade de saúde, e Celcio da Silveira Júnior, diretor financeiro do hospital.

“Há fortes indícios de que o direcionamento de recursos para o hospital não objetivou atender ao interesse público, mas sim a interesses espúrios dos articuladores envolvidos”, afirma a Polícia Federal na representação da Operação EmendaFest.

Além das suspeitas de desvios de emendas, a PF descobriu que Fiegenbaum pediu um cargo comissionado para a mulher dele no gabinete do deputado e prometeu devolver parte do salário, o que configuraria rachadinha. “Metade do dinheiro retorna integral para vocês”, promete o lobista. A nomeação não ocorreu.

A Operação EmendaFest foi autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que viu “indícios de envolvimento com atos de corrupção”. Dino afastou o assessor do cargo. (Estadão Conteúdo)

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