
Termo não existe como lei, mas é utilizado por especialistas em casos que em que pais matam os filhos para atingir as mães. Autoridades alertam sobre o femincídio indireto no RS
Por definição na lei, a nomenclatura jurídica não existe. Mas, segundo especialistas, o chamado “feminicídio indireto” se tornou um termo comum nos últimos anos: casos em que homens miram os filhos para assim atingir ex-companheiras.
A Coordenadora do Centro de Apoio de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), Ivana Battaglin, explica como o termo têm sido usado.
“Quando um homem mata os seus filhos para atingir a companheira, sobretudo motivado pelo inconformismo com o término da relação. De alguma forma ele está matando essa mulher, por intermédio das crianças. Porque uma mulher que perde os filhos dessa forma, a vida dela acabou. E isso é um feminicídio indireto”, explica.
Nos último mês, no Rio Grande do Sul, dois casos ganharam repercussão envolvendo morte de crianças em que os suspeitos eram pais e a motivação era vingança contra as ex-companheiras e mães das vítimas.
Em 12 de março, os gêmeos Bernardo e Vicente Oliveira morreram em um acidente em São Vendelino, na Serra. Segundo a polícia, o acidente foi provocado intencionalmente pelo pai – que também morreu – com o objetivo de ferir a mãe. Os dois eram separados e a mãe tinha uma medida protetiva vigente contra o homem.
Em 25 de março em São Gabriel, na Fronteira Oeste do RS, um pai confessou ter atirado o filho de uma ponte. Segundo a polícia, o suspeito matou o filho, identificado como Theo Ricardo Ferreira Felber, de cinco anos, para se vingar da mãe da criança.
Conforme o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica (Fonavid), não existe estatística exata sobre crimes com essa motivação. Mesmo assim, a avaliação de que casos assim não são raros.
“Isso acontece no Brasil inteiro. Infelizmente, crianças e adolescentes são muitas vezes vítimas invisíveis da violência doméstica familiar contra a mulher”, afirma Francisco Tojal, presidente do Fonavid.
O Banco Vermelho do MPRS, pela luta contra a violência de gênero.
Reprodução/RBS TV
Medida protetiva é uma saída
No Brasil, a medida protetiva protege a mulher que se sente ameaçada ou vive em situação de vulnerabilidade. A Lei Maria da Penha prevê que a proteção seja ampliada também para os filhos com restrição ou suspensão aos dependentes menores – os filhos. Para isso, o judiciário precisa autorizar.
“O normal é que os juízes que atuam na área indefiram esse tipo de medida e passem a análise em relação à guarda, à convivência com os filhos para as Varas de Família. Então, as Varas de Violência Doméstica realmente não acabam ingressando nessa temática, a não ser que nós tenhamos muito evidenciado uma violência direta em relação àquele menor”, explica Cristiane Pires Ramos, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher.
De acordo com a Corregedoria do Tribunal de Justiça do RS, não há uma orientação específica aos juízes sobre o tema e cada situação é analisada individualmente.
“Importante também que a mulher, no momento do registro da ocorrência, narre todas essas situações envolvendo os filhos, até para que o magistrado possa ter um panorama completo da situação”, afirma Taís Culau de Barros, Juíza Corregedora do TJRS.
Segundo o Tribunal de Justiça, foram mais de 38 mil medidas deferidas entre janeiro e fevereiro de 2025 no RS. Não há dados disponíveis com o detalhamento sobre quantas são extensivas para crianças.
“Não dá para a gente trabalhar apenas a punição. Precisamos trabalhar estratégias de prevenção. Enquanto a gente não buscar isso, a gente já fracassou enquanto humanidade. Aliás, quando uma mulher morre vítima de feminicídio, nós todos e todas fracassamos enquanto sociedade, individual e coletivamente”, finaliza Francisco Tojal, presidente do Fonavid.
Forças de segurança trabalham em conjunto
Na última semana, as autoridades de todo o sistema de justiça se reuniram para debater o assunto em um fórum do MP. O “feminicídio indireto” é um dos novos inimigos, segundo os especialistas.
O MPRS lançou no início de março a campanha “Eu Falo por Elas” – Unindo vozes contra a violência de gênero. Desenvolvida pelo Gabinete de Comunicação Social (GabCom) da instituição, juntamente com o Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (CAOVCM).
Logo após o lançamento da campanha, aconteceu a inauguração do Banco Vermelho do Ministério Público. Conforme Ivana Battaglin, o banco é itinerante e mostra que a luta contra a violência de gênero deve estar presente em todos os espaços.
Evento do MPRS debateu violência contra mulher.
Reprodução/RBSTV
Relembre os casos
Gêmeos Bernardo e Vicente em São Vendelino
Em 12 de março, Jardel Oliveira dos Santos, de 37 anos e os gêmeos Bernardo e Vicente Oliveira, de 6, morreram em um acidente em São Vendelino, na Serra. Segundo a polícia, o acidente aconteceu quando o carro dirigido pelo homem invadiu a pista contrária e bateu de frente contra um caminhão.
Segundo o delegado Marcos Pepe, a suspeita é de que o homem tenha atirado intencionalmente o carro contra um caminhão.
Na manhã do dia do acidente, a mãe das crianças havia registrado boletim de ocorrência informando o desaparecimento de ambos. Segundo a advogada da mulher, havia também uma medida protetiva vigente em favor dela contra o homem. Os dois eram separados.
Gêmeos que morreram em acidente são sepultados em cerimônia conjunta no RS
Acidente ocorreu na ERS-446, em São Vendelino
Guilherme Kalsing/Estação FM
Menino Theo em São Gabriel
Em 25 de março, em São Gabriel, na Fronteira Oeste do RS, um homem se entregou a polícia e foi preso ao confessar que teria arremessado o filho de cinco anos de uma ponte. O menino morreu no local.
A criança foi identificada como Theo Ricardo Ferreira Felber, de 5 anos. Segundo a polícia, minutos após ter jogado o filho da ponte sobre o rio Vacacaí, o pai da criança, identificado como Tiago Ricardo Felber, se apresentou voluntariamente à Brigada Militar e confessou o crime.
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Conforme o delegado Daniel Severo, Tiago não aceitava o término do relacionamento com a mãe da criança. Ele teria dito, em depoimento à polícia, que cometeu o crime por vingança.
“A relação foi bastante conturbada. Ele não aceitava a separação, não aceitava que ela se relacionasse novamente com outras pessoas, e ele falou várias vezes que o motivo era vingança”, sustenta o delegado.
Segundo a polícia homem andou com a criança pela cidade horas antes do crime
Polícia Civil RS/Divulgação
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