Polarização e enchentes

A polarização, como a chuva, não dá trégua. Não importa o assunto, “militantes” garimpam deslizes cometidos pelos adversários, os quais, ainda que desculpáveis, entretanto serão inflados de facciosidade, de modo a se tornarem quase crimes de lesa-pátria. Pode ser o show de Madonna no Rio ou as enchentes do Sul. Tudo é motivo de uma busca frenética de razões para detonar os ímpios.

No show de Madonna descobriram que Janja, a mulher de Lula, estaria pronta para ir ao Rio de Janeiro ver a cantora pop na praia de Copacabana. Como assim? Show de Madonna enquanto o povo gaúcho se afoga nas águas das enchentes? Enquanto ainda existem famílias inteiras que estão isoladas, que ainda não foram resgatadas?

Bateram na primeira-dama por precaução. Não foi muito inteligente a precipitação. Pelo sim, pelo não , Janja não foi ao Rio e deu o motivo: “Vou cuidar dos desabrigados do Sul”.

Também não faltaram brados de escândalo por causa dos apelos eróticos na apresentação de Madonna. Bolsonaristas em penca reclamaram do “escândalo”. Vá lá. Mas essas pessoas relevam, perdoam e aplaudem os palavrões e as falas obscenas de Bolsonaro, o que se classifica como imbrochável, o que não estupra “porque é feia”.

Na catástrofe do Sul foi pior. Podiam ter deixado para lá, ao menos por um tempinho, em respeito às vítimas e aos notórios esforços dos governos (União, estado e municípios) para reduzir os danos

da chuvarada. Nem bem as águas do Guaíba começaram a subir e lá estavam as famigeradas redes sociais, os justiceiros do YouTube, em clima de histeria, como se a tragédia climática fosse encomendada pelos governantes.

Os lulopetistas primeiro se sentiram ofendidos por causa de uma mensagem do governador Eduardo Leite nas redes sociais, endereçada a Lula, pedindo urgência nas providências: nada que, com um mínimo de noção do contexto, não pudesse ser lido como um pedido de socorro, ao qual se pretendeu dar maior ressonância. Não se deve esquecer que o governo federal ainda deve mais de R$ 150 milhões de reais do auxílio prometido para as enchentes do ano passado.

O governador gaúcho foi acusado de fazer “politicagem”, de fazer lacração do governo Lula. O galo não cantou três vezes e Eduardo Leite fez um pronunciamento claro: reconhecia o mérito do governo Lula nas ações para reduzir os efeitos das cheias e – de lambuja – fazendo uma crítica direta a Bolsonaro, pelas reiteradas atitudes de omissão e insensibilidade em tragédias climáticas anteriores.

E tem a turma que liga o piloto automático e bota logo a culpa no maldito neoliberalismo: é dali que vem todo o mal, seja ele qual for e venha de onde vier. E a tribo dos ambientalistas que têm a resposta na ponta da língua para explicar o fenômeno: os prefeitos, o governador, que descumprem as leis ambientais.

Nem a tragédia dessa magnitude amansa os corações brutos da guerrilha política. As facções em luta não estão empenhadas em vencer as dificuldades, superar as mazelas do país, mesmo em hora tão premente e dramática. Elas querem ver os seus valentões na briga de rua, botando para quebrar, dando porrada nos adversários.

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