Após denúncias de abusos sexuais, ministra das Mulheres vem ao Rio Grande do Sul neste domingo 

No meio da maior crise climática, outra epidemia vem sendo refletida nos abrigos temporários, a violência de gênero a mulheres e crianças. As denúncias foram levadas por movimentos feministas e entidades ligadas à proteção e o direito das mulheres à ministra das Mulheres, Aparecida (Cida) Gonçalves, no final da tarde desta terça-feira (7).

Após a reunião, a ministra decidiu vir ao Estado neste domingo. A previsão da chegada é as 10h na base aérea de Canoas, quando deverá visitar um abrigo exclusivo em Canoas e outro em Porto Alegre e posteriormente irá se reunir com os movimentos feministas e governo. 

Violações de direitos intrafamiliares, importunação sexual, assédio como de homens se masturbando durante a madrugada, próximo das famílias, pessoas transando nos abrigos, são alguns dos relatos recebidos envolvendo mulheres e crianças em abrigos emergenciais, no Rio Grande do Sul. 

Tal situação fez com que fosse criado, na última quarta-feira (8), pelo governo estadual, instituições e movimentos sociais, um Comitê de Crise, com o propósito de coordenar e acompanhar o atendimento específico às mulheres, incluindo a criação de um protocolo, com vistas a proteger as vítimas das enchentes que tiveram que ser deslocadas para abrigos.

Integrantes das organizações Coletivo Feminino Plural, Themis, Querela Jornalistas Feministas e da campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio participaram da base da elaboração do documento.

“A gente construiu uma proposta do protocolo emergencial de atendimento às mulheres que estabelece as normas para o resgate, para o abrigamento e o início da retomada da vida quando as águas baixarem. Esse documento foi apresentado ao movimento das mulheres e à Secretaria de Justiça do Estado. Foi encaminhado ao governador na noite desta quinta-feira (9), que sugeriu mais alguns pontos, mas aceitou. E foi enviado ao Ministério das Mulheres”, explica Télia Negrão, fundadora do Coletivo Feminismo Plural, que está à frente da coordenação da elaboração do documento

Durante todo o dia desta sexta-feira, diversas organizações feministas que compõe o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (Comdim) e o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM), assim como instituições como o Ministério Público, Defensoria Pública do Estado, Ordem dos Advogados do Brasil, se debruçaram sobre a versão final do material que foi encaminhado ao governador do estado e agora aguarda virar decreto. 

Guarda-chuva de proteção às mulheres e crianças 

Conforme pontua Télia, nas situações de emergência climática que obriguem deslocamentos forçados de pessoas, as mulheres e as meninas têm sido desproporcionalmente atingidas, por sua condição de gênero. “Nós sabemos que quando houve grandes crises no mundo, as mulheres sempre foram as mais atingidas. O protocolo tem entre suas normativas para que as mulheres não sejam revitimizadas além da violência que é o deslocamento forçado”. 

De acordo com a presidente do Comdim de Porto Alegre, Renata Gabert de Souza, os pontos do protocolo visam estabelecer acolhimento para as mulheres, cuidado com as que sofrem violência, as que têm necessidades especiais, as trans, as que têm filhos especiais. “É um grande guarda-chuva para as mulheres. As mulheres serão atendidas e conforme a necessidade que ela apresenta, será encaminhada para o espaço que melhor a atenda, o mais capacitado para a exigência dela.”

Conforme explica a presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e União Brasileira de Mulheres (UBM-RS), Fabiane Dutra, o protocolo traz pontos que vão desde salvamento, passando pelo abrigamento e atenção às crianças e adolescentes filhas e filhos dessas mulheres com possibilidade inclusive de locais que elas possam levar os seus animais de estimação. 

Na hora do salvamento, pontua o documento, na ocorrência de necessidade de separação por conta das condições de resgate ou de atendimento de saúde emergencial, as equipes de salvamento devem tomar providências para identificação destas famílias para a imediata reunião destes entes, a partir de cadastramento emergencial para assegurar que não haja dispersão e encaminhamento para diferentes abrigos temporários.

Também ressalta a defesa de direitos, com uma equipe capacitada para orientação sobre direitos e acesso a serviços de prevenção e atendimento a violência, bem como de todas as políticas estabelecidas pelos governos federal, estadual e municipal para enfrentamento à crise climática em especial para a fase de reconstrução. 


Mais de 70 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul / PMPA

“É importante a gente olhar, e pensando também na autonomia, no desenvolvimento, na sustentabilidade que temos que dar nos passos seguintes. Mas isso vamos desenvolver talvez em um outro protocolo mais para frente. Agora é garantir uma padronização, porque estão abrindo muitos abrigos. Inclusive estamos requerendo um recurso para a capacitação das voluntárias que estão trabalhando”, afirma Fabiane.   

O protocolo, criado no contexto de catástrofe e crise humanitária decorrente dos eventos climáticos no Rio Grande do Sul em 2024, tem como ponto de partida a experiência vivida pelas populações de vários países do mundo, como Haiti, Estados Unidos (Katrina), entre outros. Como também o “Protocolo Nacional conjunto para proteção integral de crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência em situação de risco e desastres”. 

“Será implantado o protocolo de proteção, incluindo a central de atendimentos e um plano de ação, com caráter emergencial e de curto e longo prazo”, expõe Renata.

O grupo está agora trabalhando no plano de ação. 

Abrigamento temporário para mulheres

Entre os pontos trazidos pelo protocolo está a criação de abrigamento temporário para mulheres que conforme caracteriza o documento são alojamentos provisórios com o objetivo de acolher e assegurar bem estar físico, psicológico e social das mulheres e seus filhos. Assim como sua segurança pessoal e familiar, provendo apoio material e proteção integral àquelas atingidas pela necessidade do deslocamento forçado.

A criação especifica de abrigos vem na esteira das denúncias sobre as violências de gênero que vem acontecendo em alguns espaços de abrigo temporário, como abuso infantil. Em reportagem do Brasil de Fato RS, publicada essa semana, Telia Negrão e Fabiane Dutra comentaram sobre a realidade por elas ouvida. Além da violência esses abrigos carecem de uma higienização adequada à mulheres e crianças. 

“Temos recebido diversos relatos e alguns a gente sabe que são violências que já ocorriam nos lares e que agora estão ocorrendo dentro dos abrigos. São denúncias que têm chegado pela internet, pelo telefone do Centro de Referência da Mulher (CRM), pela polícia civil, pela patrulha Maria da Penha”, pontua Fabiane. 

Conforme corrobora a presidente do Comdim, todos os organismos de mulheres têm recebido denúncias de violência, também nos abrigos. “Não só em decorrência dessas denúncias, o poder público, que é detentor das ações das políticas protetivas, está estabelecendo o protocolo para controle dos atendimentos e assim poder atender com o sistema, com os serviços de atendimento, na mais ampla competência, serviços médicos, psicológico, assistencial. Todos abrigos têm que cumprir as normas de atendimento. Os privados e/ou particulares têm que estar ‘dentro’ do sistema”, frisa Renata. 

Diante dessa realidade, iniciativas de criação de abrigos especificos para mulheres têm surgido, feito por movimentos sociais, instituições públicas, poder público, organizações e pessoas civis.

“A importância de abrigos específicos para mulheres e crianças é a mesma dos abrigos que se têm para atender as mulheres em situação de vulnerabilidade. Queiramos ou não, mulheres, crianças e idosos são mais vulneráveis, e neste momento, onde uma parcela importante da população está desalojada dos seus lares, necessitando conviver em espaços maiores, com pessoas desconhecidas do grupo familiar original, as relações tendem a tensionar. Por este motivo é fundamental a proteção das mulheres e seus filhos”, afirma Renata.

De acordo com o último boletim divulgado pela Defesa Civil, às 12h deste sábado, o RS tem até o momento 71.398 pessoas em abrigos e 339.925 desalojadas. Dos 497 municípios, 445 foram atingidos pela catástrofe climática. 

Alguns exemplos 

Em Canoas, um grupo de moradoras organizou um abrigo só para mulheres e crianças em estado de vulnerabilidade. O espaço, que fica no bairro Niterói, foi divulgado pela médica e influenciadora Thelma Assis no Instagram. 

“Nós vamos fazer uma busca ativa nos abrigos e oferecer pras mulheres que elas venham pra cá. Vamos conseguir atender aqui mais de 100 mulheres e crianças para elas poderem ficar em segurança”, disse Thelma. 

Em Porto Alegre o Movimento de Mulheres Olga Benário no RS e a Casa de Referência Mulheres Mirabal, em parceria com uma escola estadual, também abriu um abrigo só para mulheres e crianças. Na redes sociais o movimento lançou uma campanha para a manutenção do local.

O Instituto E Se Fosse Você?, da ex-deputada Manuela D’Ávila está também abrindo abrigos para mulheres e crianças em Porto Alegre. 

Essa semana a diretora-presidente da Procempa, Letícia Batistela, afirmou que será organizado um abrigo destinado exclusivamente a mulheres e crianças. “Estamos com MP e Tribunal de Justiça engajados. O Dia das Mães se aproxima e queremos colocar mulheres e crianças, unidos, em um ambiente seguro. Vamos divulgar em breve, no máximo até domingo”, afirmou. Em seguida, o prefeito Sebastião Melo informou nas redes sociais que o abrigo exclusivo será no Foro do Partenon.

Na ocasião Melo também afirmou que, a partir da noite desta quinta-feira (9), haverá segurança privada nos 127 abrigos referenciados pela prefeitura. A gestão municipal já havia anunciado, na quarta-feira (8), a contratação de vigilantes para apoio à segurança das mais de 12 mil pessoas acolhidas nos abrigos provisórios.

CRM está realizando o levantamento dos abrigos existentes

De acordo com reportagem do portal Catarinas, há a expectativa de que mais abrigos sejam abertos em breve, ampliando a rede de assistência. A ação faz parte de uma parceria entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos e governos estadual e federal. De acordo com Samsara Nyaya Nunes, subsecretária adjunta na Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, nos espaços exclusivos haverá atendimento da equipe multidisciplinar do Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRM).

“Por isso, é importante o protocolo para dar uma padronização desse atendimento especializado que é necessário. A ideia é que as vagas, o encaminhamento das pessoas, a troca de abrigo, tudo funcione a partir de uma central única de informações. Que tudo isso possa ser acessado por um comitê gestor do protocolo num único lugar, para facilitar o gerenciamento desses espaços”, explica Fabiane.

Nesta quinta-feira (9), o governado Eduardo Leite (PSDB) informou que já encomendou ao secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Fabricio Guazzelli Peruchin, a criação de abrigos destinados a mulheres, crianças e jovens em situação “que envolva especial cuidado”. 

Na coletiva também foi informado que seis homens já foram presos suspeitos de cometer abusos sexuais contra crianças e adolescentes nos locais de acolhimento. “Nós observamos que são justamente casos que, em princípio, lamentavelmente, envolvem familiares das crianças, o que sinaliza a possibilidade de que esses abusos acontecerem já anteriormente e a situação nos abrigos tenha escancarado, revelado isso e dado oportunidade de ação ao poder público.”

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, Daiana Santos (PCdoB-RS), oficiou ministérios do governo federal, governo estadual do Rio Grande do Sul e as prefeituras das cidade de Porto Alegre, Canoas e Viamão sobre as recentes denúncias de abusos e estupros, principalmente de crianças e adolescentes, em abrigos de pessoas desabrigadas pelas enchentes no RS, que teriam acontecido nestas cidades. 

“Os relatos desses casos são perturbadores e demandam uma investigação minuciosa para identificar e responsabilizar os agressores, assegurando assim, a pronta aplicação da lei. Além disso, é de extrema urgência que seja fornecido apoio psicológico imediato às vítimas e seus familiares, que enfrentam um momento de extrema aflição e dificuldade”, salientou a deputada.

Conforme frisa a parlamentar é essencial que as prefeituras adotem medidas para garantir a reserva de espaços adequados para abrigar mulheres e crianças, considerando as vulnerabilidades a que estão expostas, conforme noticiado. “Isso não apenas protege a integridade física e psicológica, mas também a dignidade da vítima”, disse Daiana.

Ações para ajudar mulheres em situação de vulnerabilidade 

A Themis retomou o Programa de Ajuda Humanitária. Desenvolvido durante a pandemia, o programa busca atender a rede organizada de Promotoras Legais Populares (PLPs), Jovens Multiplicadoras de Cidadania (JMCs) e trabalhadoras domésticas remuneradas. Também está priorizando o auxílio às mulheres em situação de violência.

“Estamos mapeando a situação de cada uma dessas mulheres para realizar a distribuição de alimentação, itens de higiene e acesso à água. Além disso, organizamos um fundo para reconstrução de suas moradias. Durante o fim de semana passado, já atuamos na produção de refeições e na doação de alimentos, cobertores e insumos para as pessoas afetadas pelas enchentes no RS”, destaca a entidade .

Para apoiar o Programa de Ajuda Humanitária, doe pelo PIX 970024060001-45 (CNPJ – Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos).

* Com informações do Sul 21.


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