Ainda há rebanhos inteiros debaixo d’água no Rio Grande do Sul

Na segunda semana de resgates em meio às chuvas que assolam o Rio Grande do Sul, Mauro Moreira, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRVM) do Estado, teve que trazer um assunto difícil para a reunião da entidade, que tem atuado em resposta às enchentes: o grande volume de corpos de animais mortos.

No curto período em que as chuvas deram uma trégua e parte da água das enchentes baixou no centro norte do Estado, milhares de carcaças de animais de rebanho, entre porcos, galinhas e aves foram aparecendo – além de bichos de estimação e animais silvestres.

Centenas de veterinários voluntários têm atendido os bichos que são resgatados com vida em pontos de acolhimento (principalmente em faculdades e universidades, onde há estrutura para o atendimento).

Muitos chegam com lacerações, com hipotermia, com glicemia baixíssima por falta de comida, com doenças ou com necessidade de amputar membros ou fazer a enucleação (retirada) de um olho, diz o veterinário.

Quase 10 mil foram resgatados até a última sexta-feira (10) pela Brigada Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros Militar no Estado. Isso sem contar os milhares acolhidos por voluntários e entidades de proteção aos animais. Uma grande parte é resgatada com saúde.

Mas nem todos tem o final feliz do cavalo que foi resgatado após três dias ilhado em um telhado, na cidade de Canoas. Muitos simplesmente não sobrevivem – e a contagem dos corpos ainda não pode ser feita porque em muitos locais a água ainda não baixou.

“Há rebanhos inteiros que ainda estão debaixo d’água”, diz Márcio Madalena, secretário adjunto de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul.

A agropecuária é responsável por pouco menos de 40% da economia do Estado e muitas regiões que concentram a criação de animais foram afetadas. Nas cidades de Rio Pardo, Vera Cruz e Cachoeira do Sul, por exemplo, estima-se que quase todo o gado morreu, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar.

Os restos mortais desses animais, se não tiverem um tratamento adequado, podem se tornar foco de disseminação de inúmeras doenças infecto-contagiosas, explica Mauro Moreira, do CVRM.

A retirada só vai poder ser feita após o fim das enchentes e deve acontecer com supervisão da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), explica Madalena, por causa do impacto ambiental que os corpos podem causar. A Sema está procurando locais para destinação desses e outros resíduos em parceria com os municípios.

Por enquanto, para a secretaria de Agropecuária, a prioridade é manter o bem estar dos animais de produção ainda vivos, a movimentação dos animais para locais seguros e para o abate, nos casos de animais de corte.

“Apesar de todos os problemas dos produtores, estamos conseguindo manter produção e distribuição de alimentos para evitar o desabastecimento”, afirma o secretário.

Enquanto as autoridades tentam contabilizar a destruição, diversos produtores relataram a tristeza com a perda de seus animais.

No município de Tupandi, o produtor Ivo Mayer, de 60 anos, perdeu 450 de seus 600 porcos e diz que não vai conseguir voltar a produzir.

“Em nossa atual idade, não teremos mais condições e coragem para iniciar todo o processo novamente”, relatou nas redes sociais. Segundo a prefeitura da cidade, o produtor Antenor Brum perdeu de uma vez seus 14 mil frangos quando a estrutura inteira do aviário foi levada pelas águas.

Cães e gatos

Nas cidades, tutores que conseguiram manter consigo ou se reencontrar com seus bichos de estimação procuram abrigos que recebem também os animais – uma grande parte simplesmente não tem estrutura para isso, já que a presença de bichos em meio as pessoas, sem a acomodação correta, pode gerar problemas sanitários.

O governo não ainda está fazendo um levantamento dos abrigos – responsabilidade dos municípios – mas, mesmo quando concluído, a informação sobre quais deles aceitam animais não foi incluída.

Em Porto Alegre, cerca de 70% das pessoas abrigadas relatam ter animais de estimação, segundo a prefeitura.

A secretaria de Desenvolvimento Social encaminhou parte das pessoas que estavam com seus bichos para o abrigo organizado pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), onde a universidade conseguiu espaços tanto para as pessoas quanto para 43 cachorros, 17 gatos e 2 porquinhos da índia.

“O canil e o gatil estão em espaços separados, mas os tutores podem visitá-los, cuidar e passear com eles”, diz Andrea Gonçalves Bandeira, decana da Escola de Ciências da Saúde da PUC que tem atuado como voluntária.

O local, no entanto, já tem 253 pessoas e está acima da capacidade — não pode receber mais ninguém. A dificuldade não é apenas o espaço – os abrigos precisam de toda uma estrutura de apoio para receber os bichos.

“Além da alimentação, são necessários cuidados veterinários, limpeza especial”, diz Andrea. Alunos, professores e ex-alunos têm se voluntariado para isso. Além de veterinários, há profissionais de saúde, nutricionistas, psicólogos e profissionais de educação física atendendo as pessoas abrigadas.

Ela conta que os animais têm sido essenciais no apoio psicológico para os donos, que chegam muito abalados. “Há pessoas que perderam tudo pela segunda vez”, diz ela.

No Vale dos Sinos, a Universidade Feevale está oferecendo atendimento veterinário e conseguiu montar um abrigo onde os resgatados ficaram junto com seus bichos de estimação de pequeno porte. Os maiores estão em uma área separadas, mas com acesso às famílias.

 

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