Sobre humor, idiotas e palcos

Quando criança, vez ou outra me imaginava humorista. Contava aos outros, precariamente, piadas ruins cujo núcleo cômico eu mesmo raramente entendia. Não me fiz humorista porque cresci mal-humorado e sem criatividade, mas ainda gosto do humor e não me agrada a ideia de censurá-lo sob qualquer pretexto porque, apesar de ranzinza, não sou ressentido. É ressentimento de pertencer a esta ou aquela minoria o que se esconde sob a capa de moralidade dos perseguidores de humoristas, buscando toda forma de protesto, censura, ações judiciais milionárias e outros modos de tornar o mundo menos injusto e mais pacífico substituindo a piada pela polêmica, a sátira pelo panelaço e a palhaçada pelo achincalhamento.

Mas o humor tem uma gema deliciosa cujo sabor os ressentidos (e os enfastiados) jamais podem saborear que é uma visão pessimista do mundo e das coisas, mas sorridente porque estoicamente resignada com a dureza da tragédia humana, como nos versos de Eric Idle em Always Look on the Bright Side of Life: “A vida é um absurdo cuja última palavra é ‘morte’ / a vida é uma gargalhada, a morte uma troça…” ideia mais elegantemente enunciada em Macbeth de Shakespeare: “a vida é um conto recitado por um idiota, repleta de som e fúria, esvaída de significado”. Censurar um humorista é como tentar ceifar esse mesmo idiota mencionado nos versos shakespearianos, mas sem jamais alcançar resultado algum porque a vida seguirá colocando suas vítimas em situações antagônicas: ora oprimido, ora opressor, ora branco, ora preto, ora rico, ora pobre, ora genro, ora sogra… independentemente de quem contar a história, ela continuará acontecendo.

Não é o sentimento de injustiça nem a vontade mesma de aplacar essa injustiça o que move os censuradores de piadas. É que o piadista é um excelente espantalho para malhar com a arrogância da falsa superioridade moral: “se eu não vi graça nessa piada sobre a qual você gargalhou, no mínimo eu sou um inteligentinho e você um caipira”. Mas a ausência de risada é, para o humorista, a maior ofensa. Como a falta de gol para o artilheiro. Em uma sociedade sadia, os humoristas tendentes a piadas hostis e estereotípicas não lotariam teatros, porque é tão desprezível a insistência demasiada na piada bruta e ofensiva quanto a tentativa de censurá-la. Eles estariam nos mambembes, na vanguarda, nos teatrinhos, nos becos. Mas estamos doentes e eles estão nos grandes palcos dos teatros esgotados, porque o mundo das redes sociais e da militância cibernética esqueceu de procurar para si artes mais sublimes que a comédia e ocupações mais honradas que a pirraça politizada de internet.

Não é fiscalizando piadas – por natureza ridículas, irreverentes – que vamos tornar o mundo melhor. Ao contrário. O peso da opressão e da desigualdade, marcas insistentes do nosso mundo, ameaça ficar ainda mais lúgubre em um mundo que leva humoristas a sério e lucra com as injustiças perseguindo não os perpetradores delas, mas aqueles que caçoam indiferentes, cínicos, da situação toda. Além do mais, não conheceremos um espécime da raça humana que, de uma ou outra forma, não esteja insatisfeito com a sua situação ou não se sinta injustiçado dentro do círculo que o rodeia: Marilyn Monroe – que tinha todos os homens, toda beleza e todo dinheiro – suicidou-se vazia. Começar abordando o problema da desigualdade ou da infelicidade humana fiscalizando uma piada contada dentro de um mambembe é rebaixar a estatura da discussão.

O Tribunal de Justiça de São Paulo censurou uma apresentação do Léo Lins, decisão que foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal. Eu tinha um certo preconceito de que só políticos importantes com prerrogativa de foro, grandes causas humanitárias e questões de ordem constitucional seriam objeto de decisões da suprema corte de um país. Mas não. Colocaram o bobo da corte no tribunal mais importante do Brasil para julgar a sua frivolidade. Ele se tornou um alvo político. Caricatura perfeita do destino da militância identitária.

 

Matheus Pitaméia, advogado.

@pitameia.matheus

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