Lula conseguiu antecipar sua diplomação em 2022, após alerta sobre possibilidade de golpe

Quando a cerimônia de diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin foi antecipada em uma semana, de 19 para 12 de dezembro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não divulgou os reais motivos da mudança de data. A senha para o ajuste veio de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do então procurador-geral da República, Augusto Aras, informados por militares de alta patente de que havia uma “nuvem golpista” bem próxima da Praça dos Três Poderes.

O aviso que chegou a Aras e ao STF, reforçado por chefes do Exército e da Aeronáutica, dizia que o então presidente Jair Bolsonaro preparava a edição de um decreto de estado de sítio, combinado com uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para aqueles dias.

Dois militares que participaram de reuniões com o próprio Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, contaram ao ministro do STF Dias Toffoli que o presidente estava empenhado em reverter o resultado das urnas, sob o argumento de que a eleição havia sido fraudada. O Estadão apurou que a mesma informação foi repassada ao procurador-geral da República.

Diante desse alerta, Toffoli sugeriu a assessores jurídicos de Lula e ao próprio TSE, à época presidido pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que a cerimônia de diplomação fosse antecipada. Temia que acontecesse em 19 de dezembro um atentado semelhante ao que ocorrera em 6 de janeiro de 2021, em Washington, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio com o objetivo de impedir a certificação da eleição de Joe Biden.

Aras, por sua vez, chamou à sua casa o então governador da Bahia, Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil, e também Jaques Wagner, atual líder do governo no Senado, dois conselheiros de Lula. A portas fechadas, disse a eles que estava preocupado com um “derramamento de sangue”, mas havia sido avisado de que a mudança na data da diplomação desarticularia os preparativos para a intentona golpista. A passagem consta do livro O Procurador, de autoria do jornalista Luís Costa Pinto.

Começaram ali, nos bastidores, as articulações políticas para alterar o cronograma da cerimônia, que tinha o dia 19 de dezembro como limite. Surgiram até mesmo rumores falsos de que quem queria mudar a data da solenidade era a futura primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.

A área técnica do TSE alegava, porém, que não havia tempo hábil para que a prestação de contas da chapa Lula-Alckmin fosse analisada, uma vez que o tribunal solicitara novos esclarecimentos sobre alguns gastos. Mas, após telefonemas daqui e dali, as contas foram aprovadas a toque de caixa.

Com isso, em 12 de dezembro, uma semana antes da data programada, Alexandre de Moraes entregou o diploma para o presidente e o vice eleitos. Em discurso contundente, Moraes afirmou que grupos extremistas pretendiam “substituir o voto popular por um regime de exceção, por uma ditadura”. Garantiu ali, no entanto, que ataques à democracia não ficariam impunes.

“Essa diplomação atesta a vitória plena e incontestável da democracia e do estado de direito contra os ataques antidemocráticos, contra a desinformação e contra o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados que, já identificados, serão integralmente responsabilizados para que isso não retorne nas próximas eleições”, disse o então presidente do TSE.

Às 19h30 daquele mesmo dia, aliados de Bolsonaro tentaram invadir a sede da Polícia Federal, em Brasília. Sob o pretexto de que precisavam resgatar um cacique xavante que respondia a inquérito por participar de atos golpistas, apoiadores de Bolsonaro incendiaram carros e ônibus, bloquearam ruas com botijões de gás e espalharam o terror pela cidade, sem que a PF e a Polícia Militar nada fizessem. Um outro grupo cercou o hotel onde Lula e Janja estavam.

Embora o alerta vermelho para a ameaça de ruptura tenha sido ligado após a vitória de Lula, tanto ministros do STF como o procurador-geral da República – além de líderes da Câmara e do Senado – monitoravam há tempos os sinais dados por Bolsonaro e pelos militares.

Na manhã de 29 de abril de 2020, por exemplo, após Moraes suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal –, atendendo a pedido do PDT, que via ali uma interferência indevida de Bolsonaro na corporação –, o presidente se rebelou.

No Alvorada, Bolsonaro afirmou a interlocutores que nomearia Ramagem à revelia de Moraes. À época, até o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre, entraram em cena para demovê-lo da ideia de enfrentar o magistrado.

Um emissário do gabinete de Toffoli com acesso privilegiado à Casa Branca e a outras áreas do governo Biden chegou a viajar para os Estados Unidos em maio e setembro de 2022. Nas duas ocasiões ele relatou, de forma informal, que a situação no Brasil estava se deteriorando.

Na transição de governo, em dezembro daquele ano, o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, se recusou a receber o ministro José Múcio Monteiro, já convidado por Lula para ocupar Defesa. Hoje indiciado na investigação da PF sobre a tentativa de golpe, ao lado de Bolsonaro e de outros 35 aliados – e citado 46 vezes no relatório final da corporação –, Garnier se recusou participar da cerimônia de transmissão de cargo para Marcos Sampaio Olsen.

Em 8 de janeiro de 2023, nove dias após Bolsonaro ter viajado para os Estados Unidos sem passar a faixa para Lula, a Praça dos Três Poderes foi alvo de ataques golpistas. As investigações da PF mostram agora que todos esses episódios têm conexão entre si.

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