Ressoa o tambor: Comunidade Kilombola Morada da Paz convoca territórios de vida para atividades do Okan Ilu 2025

“Que pessoa eu sou se eu não lutar pelo bem, pelo belo, pelo direito de ser e existir do meu povo?” – Ìyálaṣé Yashodhan Abya Yala

Nos dias 17, 18 e 19 de janeiro de 2025, a Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) convida para atividades da 10ª edição do Okan Ilu, um encontro político, espiritual e cultural para celebrar a vida em toda sua diversidade e potência.

“Por uma solidariedade real e radical, este é um chamamento para juventudes, povos indígenas, kilombolas, ribeirinhos e tradicionais, assentadas da reforma agrária, ocupações, movimentos sociais, população LGBTQIAP+, coletivos culturais, e defensores da terra para fazerem presença, em comum(u)nidade na luta pelo direito de ser e existir de seus corpos, povos e territórios”, destaca o convite. O encontro acontecerá nesta sexta-feira (17) em Porto Alegre, no CRIA (Centro de Referência Indígena), e terá continuidade no sábado (18) e no domingo (19), na CoMPaz, em Triunfo (RS). 

Segundo as organizadoras, o Okan Ilu é uma confluência entre povos indígenas, kilombolas, periféricos e juventudes em luta por território, autonomia e dignidade. “Um encontro entre povos que fazem viva a ancestralidade no toque com o tambor, no cortejo que traz ao lado a memória das mais velhas e semeia o futuro, no akilombar. Povos das aldeias e retomadas originárias, que insistem em dizer seus nomes e que a terra não é mercadoria. Povos que atravessam a violência produzindo alimentos sem veneno em assentamentos da reforma agrária. Gentes que fazem e são acolhida, arte-resistência nas periferias e ocupações que lutam por moradia. É a convergência e ressonância entre quem faz os enfrentamentos para garantir a paz e o zelo de seus territórios de vida, ameaçados por uma série de projetos de morte do capital.”

O encontro é um momento de denúncia das violações que seguem ocorrendo contra os povos, mas é, sobretudo, o anúncio de que outros horizontes, com base no envolvimento, no cuidado, no coabitar, no respeito à natureza e na coletividade, são possíveis e vêm sendo construídos. É memória viva, e é também um ato de restabelecimento entre territórios, para os seus fortalecimentos mútuos, de suas gentes e seres, assim como do sonho, da aliança, e da preparação para a luta.

Neste ano, as atividades do Okan Ilu abordam temáticas específicas que se conectam. Entre elas, se enraízam as partilhas sobre a ancestralidade, a história, os corpos percussivos, a resistência dos povos, corpos-territórios e a perspectiva de encantamento e diálogo com as juventudes. Por meio da arte e da cultura, conectando todos os momentos, está o tema que rege este Okan Ilu: Ocupar corações e mentes: retomada da percepção da luta em unidade.

Nesse entrelaçar de culturas e saberes, o som será o guia. Ele faz chão para as próximas gerações, ao mesmo tempo que evoca e faz presentes as histórias de luta de quem veio muito antes, vibrando num chamado que nutre, que dá ritmo ao sonho por outros mundos possíveis. É acolhimento, resistência, porta-voz da transformação.

“O Okan Ilu começou em 2015. E é o momento em que o território celebra o tambor: Okan, o coração, e Ilu, o tambor, na livre tradução do iorubá. E então começa o momento de celebração, de festejo desse ser que para além de instrumento é um ser vivo, espiritual, que historicamente mantém vivas as tradições ancestrais até hoje. O Okan Ilu é esse momento que lança um clamor, vozes múltiplas que ecoam em uníssono pelo direito de ser e existir de seus povos, de seus territórios. Em 2025, a abordagem do Okan Ilu traz a perspectiva da cultura, da ancestralidade como arte, cultura, música, dança, poesia, educação”, expõe Ogan Ayan N’goma Muzunguê, Alabe Khan da Nação Muzunguê e jovem liderança da CoMPaz.

A cultura como manifestação e ação política também tem como intenção ser uma ferramenta, um chamado às juventudes. “A juventude se afastou muito da luta e é preciso fazer uma retomada, numa luta interseccional, de contexto racial, de classe, de gênero, sexualidade, identidades diversas. É aquilo que Ailton Krenak fala: o futuro É ancestral. Voltar o olhar para os kilombos, aldeias, retomadas, assentamentos, é a única alternativa viável. Esse Okan Ilu, ocupar o coração e as mentes, é muito pensando nessa juventude e de gerações mais recentes muito cooptadas pelo capitalismo, pelo sistema. É pensado no sentido de como reencantar a juventude, como tocá-la. Como re-convocar as juventudes em defesa da vida e reativar os seus propósitos de lutar por seus territórios”, afirma Ayan.

Ecoa o clamor dos povos, o grito da terra


Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 / Foto: Fabiana Reinholz

Nesta sexta-feira, a CoMPaz estará em Porto Alegre fazendo um movimento do território para fora. Junto aos povos indígenas, a partir das 16h iniciou um encontro em frente ao Centro de Referência Indígena do RS (CRIA), localizado na Cidade Baixa, na Travessa Comendador Batista, 26.

O momento será de manifestar ação, em um chamamento de vida e para sonhar a vida dos povos. Nele haverá uma ManiFestaAção que tem como lema o Levante dos Povos pelo Bem Viver: organizar a esperança, dançar a resistência e curar a vida, seguido do Cortejo das Maracás ocupando as ruas, em celebração às mais velhas e anciãs dos territórios. Marcado por processos culturais, artísticos e poéticos, de onde emerge luta e a espiritualidade, o encontro contará com uma feira com exposição de produtos dos territórios de vida, partilha de alimentos e com a presença de coletividades que também estarão construindo os outros dias do Okan Ilu e a unidade dos povos. 

No final de semana, o movimento será de trazer pessoas para o Território de Mãe Preta, e as atividades acontecerão na Comunidade Kilombola Morada da Paz, na BR 386, KM 410, no Distrito de Vendinha, em Triunfo (RS), das 9h às 18h. Para confirmar presença, contatar Ayan no número (51) 98330-8955.

Programação

No sábado (18), será abordada a questão do corpo como território – quem somos e o que situa um corpo, o que comunica. Estarão presentes povos que caminham lado a lado, com enfoque nas retomadas e aldeias indígenas de diversas regiões, seja do Rio Grande do Sul, Brasil e de outros países. O dia pautará a luta dos povos em retomadas, o que é um corpo territorializado e um corpo desterritorializado, entendendo o que e a quem proteger. Também será celebrado um levante matricial nos cacicados indígenas. Com muito fluxo de energia, a data reflete sobre como colocar o corpo no mundo e sinalizar para fora a potência que há nos corpos dos povos indígenas, kilombolas, periféricos, pessoas trans, não binárias, em toda diversidade de formas de ser e expressar. 

O domingo (19) fará um retorno ao princípio do Okan Ilu. Como explica Ayan N’goma Muzunguê: “Pensa o tambor falante, o som que ressoa no coração e passa pelo corpo, que é o porta-voz das histórias – histórias de muito antes, histórias do amanhã, num tempo de conexão, comumunidade e resgate. Queremos potencializar a questão do som e todas formas de percussão, o corpo percussivo, a poesia, para além da área temática da música, que está em todas manifestações do nosso coração”. Grupos artísticos, percussivos, que trabalham a questão do som como ferramenta de luta e condutor de vida de diversas partes do Brasil estarão presentes, assim como coletivos de arte-educação, comunicação e projetos sociais com crianças e juventudes a partir da arte e da cultura. 

As datas marcam esse encontro percussivo entre juventudes e territórios de vida, assim como faz a renovação das alianças que vêm sendo construídas de outras caminhadas que mantém viva a luta negra, indígena e afrobrasileira. A partilha será de conhecimentos sobre instrumentos, do som, do fazer e do toque que ressoa no encontro de percussões. Na partilha dessas experiências e experimentações, vão se construindo alianças das histórias de vida e desses tambores que confluem no Okan Ilu.

“A cultura é acolhimento, é deixar passar pelo corpo, ter a luta e o que precisa ser dito em diversidade, lutando uma guerra em várias frentes. A Ya traz que com a questão da BR nos colocamos em sentido de guerra. Ao contrário de quem fala em paz, mas quer guerra, falamos de guerra para salvaguarda deste território”, afirma Ayan. O Okan Ilu é: “O poder da continuidade dos conhecimentos ancestrais, para que eles possam nos auxiliar a enfrentar os dias de hoje com dignidade, sabendo de onde viemos e quem somos.” 


Solidariedade das lutas na concentração para a Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 / Foto: Carolina Colorio

A Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) está localizada no distrito de Vendinha – entre Montenegro e Triunfo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e vem sendo diretamente afetada pelo empreendimento de ampliação da BR-386, a menos de 500 metros do seu território.

A expansão da BR, assim como do monocultivo de eucaliptos na região, somada a projeto de implementação de um lixão industrial de resíduos tóxicos e a instalação da central de pesagem ameaçam a comunidade, que resiste e se torna uma ilha de vida, um refúgio para onde seres migram quando têm seus territórios devastados.

Em articulação com outros territórios de vida, a comunidade traz a conotação política em seus ritos, especialmente após 2020, quando em plena pandemia recebeu a notícia da ampliação da BR e agiu para barrar a légua. Nessa luta, que se irmana com tantas outras, a CoMPaz firma um processo de fortalecimento territorial radical e lembra que ninguém está só. O Okan Ilu reaviva essa memória de enfrentamento e tantas outras, consolidando um apoio mútuo entre territórios em defesa da terra e da natureza.

Esta é uma convocatória à caminhada coletiva, ao rito do tambor que emana o som da vida, para construir caminhos num encontro entre gerações para quem vem num movimento cultural de enfrentamento. Um chamado para retornar às memórias da ancestralidade, a manter aceso o fogo de uma força milenar que está com os povos na construção e busca pela dignidade. A todes, todas e todos que sentem vibrar no coração o ritmo da luta, que são tocados pelo som da vida e trazem no enfrentamento o celebrar, fortalecendo essa potência. 

Ecoa o clamor dos povos, o grito da terra. É tempo de combate em Território de Mãe Preta, que se expande onde a festa da vida te convida a ser com, a acontecer. Venha compor em união aos povos, aos guardiões dos territórios, à terra, ao fogo, aos ventos e folhas, serpenteando com as águas que sempre encontram um caminho. Este é um chamado para ser parte nesse movimento de multidiversidade que tem em comum a defesa das vidas. Te esperamos nesse encontro e encaminhamento, para confluirmos, nos fortalecermos e saudarmos o tambor do coração. 

Confira como foi o Okan Ilu de 2024, que teve como ápice a Parada da Légua, quando povos em marcha pararam a BR-386, uma das ameaças que se debruçam sobre a CoMPaz.

Conheça a história de luta da CoMPaz

Acesse o Protocolo autônomo e comunitário de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé da CoMPaz: O Dossiê Kilombo – Proteger, Defender e Vigiar

* Jornalista da Amigas da Terra Brasil no RS

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


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