Após denúncias contra Adele e Shakira, músicos e advogados debatem como separar plágio de inspiração

Arrasada numa fossa descomunal, mergulhada na sofrência de uma separação novelesca, traída para metade do mundo ver e a outra metade comentar, teria Shakira, a grande estrela colombiana, se inspirado numa canção sertaneja brasileira para compor uma música em que fala poucas e boas para o ex-marido, Gerard Piqué? Ruan Prado, Luana Matos e Calixto Afiune, compositores de “Tu tu tu”, garantem que sim.

Eis aqui mais uma acusação de plágio que envolve uma artista internacional, na esteira da vivíssima disputa judicial entre o sambista mineiro Toninho Geraes e a cantora britânica Adele — ele a acusa de ter plagiado seu samba “Mulheres” em “Million years ago”.

Desta vez, o suposto plágio seria a faixa “Bzrp Music Sessions vol. 53”, parceria de Shakira com o DJ argentino Bizarrap, lançada em janeiro de 2023. Trata-se de uma diss track, expressão usada para classificar uma música que foi criada com o propósito de expor ou insultar alguém. À época do lançamento, Shakira estava recém-separada e era destaque nos noticiários de fofoca com os rumores de que Piqué, seu ex, a teria trocado por uma estudante 20 anos mais nova. Foi o grande escândalo do momento. Depois da separação, Piqué assumiu o namoro com a tal estudante, mas isso já é outra história.

Fato é que, quando Ruan, Luana e Calixto, autores de “Tu tu tu” (que ficou famosa na voz de Mariana Fagundes e Léo Santana), ouviram a lavação de roupa suja de Shakira (que alcançou primeiro lugar nas paradas em vários países), tiveram a certeza de que foram plagiados. E estão processando Shakira.

“Eles foram checar e ficaram chocados, era o refrão da obra deles, com mínima variação”, diz o advogado Fredímio Biasotto Trotta, que representa os compositores brasileiros e também faz parte da equipe jurídica de Toninho Geraes contra Adele. “A convicção de que se trata de plágio resulta de similaridades improváveis de acontecer ocasionalmente. A melodia do refrão tem frases inteiras iguais, e há outras similaridades, como a própria temática da letra: adultério, superação da traição e empoderamento feminino. A probabilidade disso tudo acontecer acidentalmente, ao mesmo tempo, num curto espaço de tempo de três anos é igual a zero”.

E se for coincidência?

É inegável que as duas faixas se parecem muito. Qualquer leigo que as ouça provavelmente vai reconhecer semelhanças. A grande questão em acusações como esta, no entanto, é provar que a semelhança foi intencional, ou seja, que uma copiou a outra. Porque pode ter sido, também, uma mera coincidência. Ou pode haver, ainda, um terceiro caminho: o da livre inspiração. Mas quando a inspiração deixa de ser inspiração e passa a ser plágio?

O veterano produtor musical Rick Bonadio, de 55 anos, diz que mudou de ideia a respeito deste tema ao longo de sua carreira, marcada por revelar artistas como Mamonas Assassinas e Charlie Brown Jr, entre outros. Ele mesmo, recentemente, foi alertado de que um hit em ascensão poderia ser um plágio de uma música sua. “Descer pra BC”, da dupla Brenno e Matheus, teria fortes semelhanças com “Ragatanga”, do grupo Rouge. Rick foi às redes sociais dizer que estava tudo certo e que, apesar de enxergar algumas semelhanças entre “Descer pra BC” e “Ragatanga”, não identificava ali um caso de plágio.

Segundo o produtor, há uma necessidade de se atualizar a legislação que versa sobre o tema.

“É quase impossível você criar uma coisa que não coincida com outra. Tem que regulamentar. Deveria poder usar, desde que reserve 10% dos direitos para o artista em que você se inspirou. Se você ouvir Paralamas e The Police, vai encontrar similaridade. Legião Urbana com The Cure. “Chopis centis”, dos Mamonas, tem referências declaradas de The Clash. Mas é plágio? Não, é estilo. Tem uns caras na internet que ficam apontando semelhanças entre músicas, como se fossem plágios. Mas tem que ver como um todo, como a música é cantada, a letra, tudo”, diz Rick.

Rod Stewart

Há raros casos, no entanto, em que o plagiador, encurralado juridicamente, acaba confessando. Um dos mais célebres exemplos da indústria musical envolve Jorge Ben Jor e Rod Stewart. Depois de passar um carnaval no Rio de Janeiro, quando “Taj Mahal”, do músico carioca, explodia nas rádios e bailes daqui, o britânico lançou sua “Da ya think I’m sexy?”, de refrão escandalosamente parecido com o “tê tê tê, têtêretê” de Ben Jor.

Em reportagens da época, Jorge disse que soube através de amigos que disseram ter ouvido sua música em inglês na discoteca. O brasileiro foi muito regravado por artistas estrangeiros, então, num primeiro momento ele achou que era uma versão. Depois que entendeu que era plágio, tomou as medidas cabíveis.

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