Desabafo, choro contido, dor e medo

Sou mulher indígena do povo Kaingang e, há mais de três anos, venho junto com várias companheiras trazendo para o cotidiano a luta pelos direitos das mulheres e meninas nativas, para que possam florescer e crescer conforme manda a lei da vida.

Nossos corpos, há muito tempo vêm sendo desrespeitados, violados, estuprados e mortos, sem nenhum constrangimento ou permissão. Somos vistas como objetos. Lágrimas, gritos, medo, dor e vazio surgem como um turbilhão nas noites escuras, sombrias e tenebrosas, onde ocorrem, geralmente, as violências.

Nosso grito é por justiça, por aquelas que foram violadas, pelas silenciadas e por aquelas que ainda serão vítimas.

“Meu corpo, meu território” tem sido, durante todo esse tempo, a única forma de enfrentar o assédio do ódio, do domínio e do racismo, que destroem sonhos, templos e a vida das mulheres e meninas cruelmente atacadas e impedidas de negar os atos contra si.

Chega! Basta! Nenhuma de nós aceita perder mais ninguém! Muitas meninas tiveram suas vidas drasticamente transformadas, vandalizadas por desejos macabros e insanos, travestidos de justificativas como: “Foi sem querer”, “Não faço mais”, “Estava bêbado”, “Você provocou”, “Estava no lugar errado”, “Vou mudar…”. Tiraram-lhes a vontade de viver e adoeceram as mentes e os corpos de todas nós.

Quando uma mulher é agredida, todas nós somos. Nosso gênero merece respeito! Afinal, somos as matriarcas, as progenitoras, as que geram a vida e a descendência do nosso povo.

Temos direitos e precisamos de olhares específicos. É urgente que as redes de apoio e cuidado funcionem de forma eficaz dentro dos nossos ẽmã, enquanto lutamos por dignidade e apoio. Queremos programas que invistam no bem viver e na soberania alimentar da nossa gente, onde as mulheres sejam protagonistas em seus lares e possam criar seus filhos sem medo e sem a culpabilidade de ser feminina.

Queremos políticas públicas que nos representem, que atendam às nossas necessidades de viver plenamente.

 
 
 
 
 
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Às nossas filhas, o direito de serem alegres e sonharem! Esse papel, muitas vezes desempenhado por nós, ocorre sem visibilidade ou reconhecimento, o que também constitui uma forma de violência.

Estamos aflitas, incrédulas, temerosas, mas não desistiremos. Lutaremos com todas as forças pela minha, pela tua, pela dela, pela de todas as outras – por todas as filhas, mães, avós, bebês – enfim, por nós mesmas. Nossa história de resistência entrará para as páginas dos livros de memória do nosso território, tão massacrado e violado quanto o corpo de Daiana Griá Sales, que se tornou símbolo de luta, vida, morte e justiça.

Nunca mais! Nossas mulheres não serão mutiladas nem carregarão cicatrizes na alma e no corpo causadas por aqueles que pensam que podem nos calar.

Filhas, vocês cresceram na luta! Quando formos mais velhas e nossos olhos cansarem e nossos passos se tornarem pesados, queremos que vocês continuem ecoando a voz das Mulheres do Guarita, que gritaram e foram corajosas ao afirmar o direito sobre seus corpos, tornando-os posse única e exclusiva de cada uma.

O que ouviremos nos discursos planejados não nos sensibilizará. Ele tirou, covardemente, uma de nós, e não perdoaremos.

MULHERES DO GUARITA: PRESENTE!

* Regina Goj-Téj Emílio, Kajru krē, é kaingang, professora estadual na escola Indígena Antônio Kasīn Mīg no Irapuá, Reserva do Guarita, integrante do GT Guarita Pela Vida.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


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