Projeto de Lei pede para liberar trabalhadores em dias de calor extremo em Porto Alegre

O Rio Grande do Sul vivenciou, nesta terça-feira (4), a maior temperatura oficialmente registrada nos últimos 115 anos, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMet). A cidade de Quaraí, chegou a registrar 43,8ºC, já Porto Alegre 37,3ºC. Visando a segurança e a saúde de servidores e trabalhadores terceirizados que atuam ao ar livre em dias de calor extremo na Capital, o vereador Giovani Culau e o mandato coletivo (PCdoB) protocolaram um Projeto de Lei para liberar os profissionais em casos de temperatura elevada. 

“As mudanças climáticas têm provocado a intensificação de eventos extremos, seja chuvas extraordinárias e acima da média, seja ondas de calor extremo. Entre os anos 2000 e 2018, nós tivemos mais de 3.000 óbitos em Porto Alegre em razão do calor extremo. É a partir daí que surge a nossa proposição de um projeto de lei que libera os trabalhadores expostos ao sol, aqueles que trabalham ao ar livre, de trabalhar em dias de calor extremo”, afirma ao Brasil de Fato RS Giovani Culau. 

O PL define calor extremo como temperaturas significativamente acima da média, que representem risco à saúde humana e estejam associadas a índices elevados de radiação solar. A proposta prevê que a regulamentação da medida será baseada nos alertas emitidos pela Defesa Civil, garantindo critérios objetivos para a suspensão das atividades. “Tudo isso sem prejudicar os salários e garantindo com que também os trabalhadores terceirizados e terceirizadas sejam beneficiados por esse projeto, que tem um caráter humanitário e de compatibilização da gestão pública com a nova realidade climática”, frisa o parlamentar.

Segundo o parlamentar, medidas semelhantes já foram implementadas em outros países, como a Espanha, que aprovou em 2023, a proibição de determinadas atividades ao ar livre, como a limpeza de ruas e o trabalho agrícola, durante períodos de calor extremo. “Já assistimos a muitos episódios, certamente muito graves, na limpeza e recolha de resíduos, em que os trabalhadores morreram devido a golpes de calor”, afirmou a ministra do Trabalho da Espanha, Yolanda Diaz. 

Para o vereador, políticas como essas têm demonstrado eficácia na proteção da integridade física dos trabalhadores e na adaptação às novas condições climáticas globais. “Reconhecemos que a exposição prolongada ao sol, especialmente em dias de emergência climática, representa riscos significativos à saúde dos trabalhadores. Altas temperaturas e elevados índices de radiação solar – a exemplo do último verão, que registrou temperaturas superiores aos 40°C sendo que a sensação térmica chegou a 50°C – podem resultar em impactos adversos, como insolação, desidratação e outros problemas de saúde”, destaca o texto do projeto. 

De acordo com Culau, o estresse térmico pode comprometer a produtividade e, principalmente, a segurança desses profissionais, tornando a regulamentação uma medida essencial para a preservação da saúde e prevenção de acidentes de trabalho.

Em relatório divulgado em abril de 2024, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que mais de 2,4 mil milhões de trabalhadores (70% da mão de obra global) estão provavelmente expostos ao calor excessivo em algum momento do seu trabalho. “É evidente que as alterações climáticas já estão a criar riscos adicionais significativos para a saúde dos trabalhadores (..) É essencial que prestemos atenção a esses avisos. As considerações de segurança e saúde no trabalho devem tornar-se parte das nossas respostas às alterações climáticas, tanto nas políticas como nas ações”, afirmou Manal Azzi, chefe da Equipe de Segurança e Saúde Ocupacionais da OIT.


“Com as altas temperaturas percebemos a influência deste fator na saúde não só de nossos usuários, que já sofrem com a vulnerabilização social, mas na nossa”/ Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Necessidade de políticas que não neguem a crise climática 

“Como psicólogo do Consultório na Rua, em uma equipe multiprofissional de uma parceirizada da Prefeitura, atendo a população em situação de rua. Para prestar esse atendimento, na maior parte do tempo estamos em buscas e abordagens pelas ruas. É perceptível o impacto das mudanças climáticas no nosso cotidiano: desde a enchente, até a névoa de fumaça das queimadas, esse impacto tem se feito muito presente. Agora com as altas temperaturas percebemos a influência deste fator na saúde não só de nossos usuários, que já sofrem com a vulnerabilização social, mas na nossa”, expõe Leonardo de Oliveira, trabalhador terceirizado, ao Brasil de Fato RS

Na situação como a que vive o RS, com temperaturas beirando e/ou passando os 40 graus, o psicólogo pontua que o uso de equipamentos e itens de proteção como chapéus, protetor solar e a garrafa de água a tiracolo têm se mostrado indispensáveis. “Ainda assim, nem mesmo estas medidas são efetivas em dias como o de ontem, e é importantíssimo o resguardo dos trabalhadores da linha de frente, constantemente expostos às intempéries climáticas.” 

Sobre a proposta apresentada pelo vereador Culau e o coletivo, diz que é uma medida necessária, um direito dos trabalhadores para manterem sua saúde e segurança. Ele observa que a dispensa não seja onerada ou colocada em bancos de horas a ser pagos pelos trabalhadores, práticas comuns em empresas terceirizadas. “A única preocupação em relação a liberação dos profissionais é a fragilidade do cuidado com os usuários, em especial as pessoas em situação de rua, que podem ficar desassistidas, principalmente em um momento onde mais necessitam de suporte em saúde.”

Para além dessa proposta, prossegue Oliveira, devem ser fornecidas condições para que os trabalhadores possam executar seu trabalho em situações extremas, como os EPIs e a hidratação. “E que possa ser fornecido transporte de qualidade aos trabalhadores. As condições do transporte público também devem levar em conta as temperaturas extremas a que estaremos cada vez mais expostos e a luta por dignidade para o trabalhador deve levar em conta os aspectos integrais relacionados às atividades laborais, principalmente trabalhadores de obras públicas, limpeza urbana, agentes de saúde, entre outros.” 

Citando sua experiência em atendimentos ao ar livre em buscas e abordagens, para haver tanto cuidado com os trabalhadores, quanto com os usuários, são necessárias políticas que não neguem a crise climática e a maior frequência das temperaturas extremas e de eventos climáticos. “Ofertando espaços com água potável, abrigos, banheiros públicos, política de moradia, transporte, direito à cidade, alimentação adequada e maior oferta de serviços para as pessoas em situação de rua.” 

Calor extremo 

Em 2022, quando a capital gaúcha chegou a registrar mais de 40 graus, o Brasil de Fato RS conversou com especialistas que apontaram que temperaturas acima de 40º são resultado de um planeta mais quente. 

“O aumento da temperatura média do planeta nas últimas décadas e a mudança geral da circulação atmosférica, combinada com o aquecimento das águas superficiais dos oceanos, têm intensificado os eventos extremos”, afirmou na época o professor de Climatologia e Oceanografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor substituto do Centro Polar e Climático da mesma instituição, Francisco Eliseu Aquino. 

Nesta terça-feira, o mestre em Botânica e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá, Paulo Brack, constatou a temperatura de 62°C, em amplas superfícies de área onde retiraram a vegetação no Parque Harmonia, enquanto nos gramados sombreados pelas árvores a temperatura era a metade (31°C).

 

De acordo com um estudo do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado em janeiro de 2024, na revista científica de acesso livre Plos One, 48 mil pessoas morreram por ondas de calor no Brasil entre 2000 e 2018. A pesquisa analisou as 14 regiões metropolitanas mais populosas do Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas cinco regiões do país. A Região Metropolitana de Porto Alegre (POA) aparece na quarta posição em que as ondas de calor mais potencializam mortes.

Conforme aponta o estudo, eventos de temperatura extrema aumentaram quase quatro vezes desde os anos 1970. Idosos, mulheres, negros e menos escolarizados são os mais afetados. 

“A mudança climática é que está governando”

Em conversa com o Brasil de Fato RS, nesta quarta-feira (5), Aquino ressaltou que 2024 foi o ano mais quente dos registros modernos no planeta Terra, e o Brasil seguiu essa realidade. “Todo monitoramento, tudo que a gente observou nas últimas décadas, e compreendendo bem a mudança do clima, esse é o cenário daqui para frente: A gente terá nos nossos verões estiagens, ondas de calor, temperaturas elevadas, acompanhado de tempestades e chuvas intensas. Muita chuva em poucas horas, e assim por diante, como a gente está vendo no Brasil.”

Conforme prossegue o professor, nesse momento, no Rio Grande do Sul, a chuva está abaixo da média, de vez em quando, algumas tempestades, mas as temperaturas é que seguem elevadas. “Nos próximos sete dias, pelo menos, elas vão seguir muito altas entre a Argentina e o Paraguai em direção ao Rio Grande do Sul. Então, sempre o Oeste do nosso estado tem o registro das temperaturas maiores, enquanto que a região Metropolitana está quente, tem tardes e noites quentes, mas ainda não chegamos nos valores maiores nesse momento.”

Aquino, que participou recentemente de uma expedição à Antártica, frisa que as temperaturas elevadas no planeta e todos os registros das últimas décadas mostram que a mudança climática é que está governando, guiando essas condições de tempo e clima na Terra. “Mesmo tendo uma La Niña fraca, em que a gente observaria uma certa tendência de arrefecimento global, esse arrefecimento não tem se traduzido em menores temperaturas, em alívios, de modo algum.”

De acordo com o professor, com raras exceções, em algumas localidades, a circulação atmosférica às vezes impõe ares mais fresco, como, por exemplo, o que foi observado em novembro e dezembro do ano passado no Rio Grande do Sul. “A passagem de ciclones com frentes frias vindo da Antártica, uma certa anomalia para essa época do ano, fez com que as temperaturas não fossem tão elevadas. Podemos ver que o nosso dezembro foi mais ameno por conta de passagem de ciclones e frentes frias, e entrada de ar da Antártica, o que não é comum. Mas mostra como o reajuste da circulação atmosférica tem colocado condições bastante distintas daquelas que a gente imaginaria, pelos nossos avós.”

* Com informações da Assessoria do Vereador Giovani Culau e Observatório do Clima. 


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