Precarização na saúde de Porto Alegre: 95% da atenção básica é terceirizada

Porto Alegre vive desde 2020 um processo de terceirização das gestões das unidades de saúde. Atualmente, dos 145 postos de atendimento, apenas 13 ainda se mantêm com gestão pública. Estes espaços são administrados pelo Vila Nova, Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Santa Casa de Misericórdia, Instituto Maria Schmitt (IMAS) e Divina Providência. 

O Brasil de Fato RS conversou com agentes ligados ao sistema de saúde da Capital, assim como visitou unidades de atendimento. O corte significativo no orçamento destinado à saúde municipal para este ano, indicado no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025, falhas de gestão e unidades lotadas foram os pontos levantados.

Corte orçamentário: um golpe no SUS

O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025, aprovado em outubro de 2024, reduziu em 47,1% o valor que havia sido solicitado pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS). O documento também destaca a redução do financiamento municipal do SUS por parte do município. Caiu de 45,04% do total em 2013 para 32,87% em 2023.

O corte orçamentário é apontado pela Prefeitura como uma previsão de recursos com a possibilidade de sofrer ajustes com base na execução financeira e prioridades do momento. Para o Conselho Municipal de Saúde (CMS), a redução do valor leva à necessidade de suplementações, afetando o poder de resposta da SMS e prejudicando a transparência com o uso dos recursos. A prática afeta o planejamento na área e dificulta a implementação de melhorias contínuas e sustentáveis na Rede de Atenção à Saúde da cidade.

O caso das licitações suspeitas


Mesmo sob investigação da Polícia Federal, rede hospitalar Vila Nova tem licitação renovada para gestão do Hospital da Restinga / Foto: Marcela Brandes

Despesas sem comprovação, serviços de terceiros pagos a gestores e servidores e descumprimento da norma municipal de contratação de serviços são alguns dos problemas identificados pela investigação da Polícia Federal no Hospital da Restinga, no Extremo Sul de Porto Alegre. O inquérito foi aberto para investigar possível rombo de R$ 173 milhões nos hospitais, administrados, desde 2018, pela Associação Hospitalar Vila Nova (AHVN).

Hospital com grande procura, responsável por uma área populacional com cerca de 80 mil habitantes, mesmo sob investigação e pareceres contrários de técnicos e alertas do Conselho Municipal de Saúde, teve contrato de terceirização com a Associação Hospitalar Vila Nova (AHNV) renovado pela Prefeitura em outubro de 2024. 

Outro caso de licitação sem prestação de contas que também preocupa o Conselho de Saúde de Porto Alegre (CMS) é o da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) no gerenciamento e operacionalização dos Prontos Atendimentos Bom Jesus e Lomba do Pinheiro. O CMS reprovou o aditivo que pretendia prorrogar as atividades da SPDM nos postos devido a análise da Secretaria Técnica (Setec) que apontava irregularidades na prestação de contas do contrato inicial.

Além da falta de transparência nos gastos, o parecer aprovado aponta que a SPDM não cumpriu as cláusulas do contrato que tinham a finalidade de promover adequações estruturais e a habilitação para Unidades de Prontos Atendimentos (UPAs) 24 horas.

Unidades de Saúde superlotadas


Reunião dos moradores da Vila Cruzeiro com a Secretaria Municipal de Saúde sobre o fechamento da unidade de saúde da região / Foto: Marcela Brandes

A superlotação e demora no atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e de Pronto Atendimento de Porto Alegre ainda é uma realidade. A Unidade de Saúde Cruzeiro do Sul, no Bairro Santa Tereza, zona Sul de Porto Alegre, ficará fechada por tempo indeterminado. 

O posto passará por avaliação estrutural. Durante o período, os moradores da região estão buscando as unidades Osmar Freitas e Moab Caldas. Na segunda-feira (7), representantes da Secretaria Municipal de Saúde realizaram uma reunião com os moradores e o Conselho de Saúde local para conversar sobre a situação e encaminhar propostas.

“Com duas equipes médicas aqui no Postão não dava vazão, imagina agora tendo que ir disputar atendimento em outro posto com os moradores locais”, pontua Alexandre Mendes Gonçalves, morador da Cruzeiro. 

Segundo moradores, as unidades não estão dando conta de atender as duas áreas. “Sou gestante e tenho gravidez de risco, fui buscar atendimento na Moab e não queriam me atender porque não era prioridade, os moradores do bairro eram prioritários. Tive que chamar a gerente do posto e depois de horas consegui ser encaminhada com horário para outro dia em outra unidade”, relatou Ana Paula Gomes, moradora da região.

Janete Teresinha da Silva teve o mesmo problema na Unidade Osmar Freitas. “Sou idosa, fui buscar atendimento porque estava muito mal, não fui considerada prioridade e ainda fui mandada embora para casa com pressão alta.”

Na reunião, a Secretaria Municipal da Saúde informou que os locais estão sendo reforçados com profissionais das equipes da Cruzeiro do Sul e tem estrutura para assistir a todos e que as ocorrências que foram expostas serão atendidas e encaminhadas.

Do outro lado da cidade, no posto de Itapuã, a autônoma Luciana Dias reclama da mesma situação, relata que passou mais de 12 horas em espera para conseguir atendimento do seu neto. “Não é a primeira vez que isso acontece. Os médicos tentam, mas eles não conseguem atender todo mundo mesmo.”


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