Avanço do projeto de eventual exploração de petróleo na foz do Amazonas ameaça a imagem do Brasil

Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez declarações requerendo celeridade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na finalização de estudos de impacto ambiental tendo em vista a intenção da Petrobras de prospecção (e eventual) exploração de petróleo na Foz do rio Amazonas. O posicionamento do presidente gerou críticas de ambientalistas, cientistas e movimentos populares quanto ao risco implícito de danos ecológicos considerando múltiplos fatores sensíveis.

O estuário da maior bacia hidrográfica brasileira é berço de muitas espécies de peixes em seus mangues. E, na zona da plataforma continental, existem tipos de corais únicos que são habitat natural da biodiversidade marinha. O argumento defendido pelo presidente Lula é o mesmo que se encontra nos pronunciamentos de parlamentares do Amapá: o estado e a Petrobras não podem abdicar das receitas da exploração do óleo potencialmente existente na zona da foz do Amazonas.

Entretanto, se levada adiante, essa medida será inevitavelmente interpretada como um atropelo ao clamor da sociedade que elegeu Lula pelo fim do projeto de devastação ambiental e negacionismo climático do governo anterior. Mesmo os que confiamos na sabedoria do presidente Lula, fizemos campanha nas ruas para ajudar a elegê-lo e sabemos da importância de tê-lo à frente do país nesses tempos tão sombrios, não podemos deixar de expressar preocupação com o assunto em tela.

É tempo ainda de reverter o erro de pressionar o Ibama por um laudo favorável como “único cenário esperado”. A autonomia do órgão ambiental precisa ser respeitada, se a política ambiental encontra-se de fato dentre as prioridades do governo. E, mais do que isso, é preciso rever a posição que tensiona por extrair óleo no local.

No mesmo ano em que o Brasil sediará a COP30 em Belém (PA) – a mais desafiadora das COPs em toda história da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas; e, no mesmo momento em que a retórica e as decisões agressivas de Donald Trump brandem de maneira apocalíptica o bordão “drill, baby, drill” (“perfurar, baby, perfurar”), o avanço do projeto de eventual exploração de petróleo na foz do Amazonas ameaça a imagem do Brasil e seu papel de liderança no regime internacional do clima. Tal cenário provavelmente encontra-se entre as preocupações atuais de diplomatas brasileiros.

Com efeito, o “soft power” da diplomacia ambiental brasileira, como país do Sul Global e do G-20, não pode ser colocado em xeque no afã de buscar arrecadação de receitas fiscais. Essas devem ser encontradas em outras fontes, tanto em matéria de arrecadação, como em matéria de atividade econômica. Que outros territórios como a vizinha Guiana Francesa tenham autorizado atividades de empresas petrolíferas em suas águas da bacia amazônica não pode ser argumento para fazermos o mesmo, sobretudo em tempos em que é preciso uma verdadeira transição energética.

Não será o pragmatismo o conteúdo portador do realismo emergente, preceito político que precisa orientar as ações do Estado brasileiro diante das disjuntivas do século XXI. Esse é um expediente fundamental para que se realize a pleno o anseio da política externa ativa, altiva e ecológica, como ficou batizado o programa da política exterior do mandato Lula III.

A despeito das dificuldades no famigerado jogo do presidencialismo de coalizão convertido em parlamentarismo orçamentário, os desafios do Brasil na presidência da COP30 precisam ser compartilhados por todos os ministérios e demais órgãos do governo. Em nossos dias, um eventual derramamento de óleo na foz do Amazonas seria catastrófico.

O governo federal poderia adotar três medidas em lugar de buscar petróleo e gás na foz do Amazonas:

1) manter intocados os combustíveis fósseis da Margem Equatorial e buscar compensações econômicas na comunidade internacional, sobre a base do princípio de Responsabilidades Comuns Diferenciadas e Compartilhadas (CBDRRC, na sigla em inglês) que os países do Sul Global fizeram inscrever no regime internacional do clima;

2) buscar a ampliação dos repasses do fundo de participação dos estados ao Amapá e incrementar o financiamento para atividades econômicas alternativas;

3) ampliar a arrecadação de receitas do Estado brasileiro, principal acionista da Petrobras e seu controlador, por meio de expedientes como a implementação do imposto sobre as grandes fortunas, previsto em nossa Carta Magna pela decisão soberana do constituinte de 1988 e nunca regulamentado. Medida, aliás, que vem sendo defendida por diversos países da OCDE.

A defesa da Amazônia, da biodiversidade e a construção de outro modelo produtivo devem estar em primeiro lugar, especialmente no ano da COP da Amazônia.

* Mathias Luce é historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


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