Com isenção do Imposo de Renda, Lula mira a classe média para eleição

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter enveredado decididamente pelo caminho populista para tentar se reeleger, depois que uma queda forte na avaliação de seu governo e em sua popularidade colocou um enorme ponto de interrogação sobre 2026. A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que precisa ser aprovada pelo Congresso, entrará em vigor no ano eleitoral e é uma de suas principais armas para reconquistar seu eleitorado, que começou a mostrar descontentamento com os rumos da economia e com a gestão petista. Mas a usina de bondades do Planalto não se restringe à isenção do IR.

No dia 6 de março, o presidente assinou uma medida provisória incluindo entre os objetivos da destinação de recursos do Fundo Pré-Sal a infraestrutura social e mudanças climáticas. O objetivo ficou claro agora, quando o governo cogita indiretamente usar R$ 15 bilhões para poder criar mais uma faixa de renda no programa Minha Casa Minha Vida para a faixa entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. As verbas desse fundo seriam destinadas às três faixas existentes do programa, economizando dinheiro do FGTS, que custeia as Faixas 2 e 3, para contemplar a nova faixa de renda.

Nesse ponto, o governo deixa para trás o discurso social e passa a cortejar eleitoralmente a classe média, com provável custo para o Tesouro. Abandona a focalização nas camadas mais pobres e abre um precedente para estender a ação do Estado aonde seus interesses eleitorais estarão em jogo. Todos os financiamentos do Minha Casa Minha Vida têm juros subsidiados. Não faria sentido ampliar a faixa de renda do programa se não fosse para estender alguma vantagem paga pelo Tesouro. O governo ainda não tomou a decisão sobre o modelo, o que só deve ocorrer, se ocorrer, depois da viagem de Lula ao Japão.

Além disso, o presidente parece preso no túnel do tempo, imaginando que os financiamentos habitacionais ainda são praticamente monopólio da Caixa Econômica Federal. Todos os bancos privados ingressaram no setor habitacional e criaram instrumentos para o funding que lhes permitiram concorrer com os estatais praticamente em pé de igualdade. O financiamento pelo SBPE, com recursos da poupança, tem juros equivalentes aos financiamentos privados, algo em torno de 12% ao ano mais TR (hoje perto de zero).

Até agora o governo ainda não encontrou dinheiro no orçamento para custear outros dois programas, o auxílio gás e o Pé de Meia. Lula estendeu a gratuidade do gás de cozinha aos 20 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único. Lula prometeu o “tudo de graça” a um custo inicial de pelo menos R$ 3,5 bilhões.

Desde novembro, quando os mercados viveram turbulências e o dólar disparou, diante de um pacote de gastos que era para ser forte e foi acompanhado de benesses fiscais, como a isenção de IR para até R$ 5 mil, o Planalto sinalizou que novas medidas de ajuste não estavam em seu horizonte. O sinal político dado é o de que o governo estará aberto a propostas que possam lhe trazer vantagens políticas.

Circula no Executivo a proposta de aumentar os limites de empréstimos dos bancos estatais e regionais para Estados e municípios. Eles podem emprestar até 45% de seu patrimônio de referência e estão perto disso. Estados e municípios elevaram muitos seus gastos, a ponto de no terceiro trimestre de 2024 terem ultrapassado os da própria União, auxiliando a impulsionar a economia, intenção do Planalto.

O timing eleitoral está expulsando o timing econômico que poderia ordenar as medidas do governo. Com juros reais perto de 10%, em alta, o BC tenta esfriar a economia, tarefa para a qual precisa necessariamente de auxílio da política fiscal. Mas o presidente Lula só pensa em expandir gastos, créditos e programas para dar mais fôlego à economia, que cresce acima de seu potencial.

A isenção de IR tornará disponíveis R$ 27 bilhões para gastos. Segundo o Ministério da Fazenda, 65% dos cerca de 26 milhões que declaram IRPF serão totalmente isentos. E 90% dos que pagam IR (90 milhões de pessoas) terão isenção total ou parcial. O projeto também prevê uma alíquota de Imposto de Renda Retido na Fonte para quem receber dividendos de empresas, com direito a restituição se a empresa tiver pago o imposto corporativo de 34%.

Eleitoralmente, o governo junta medidas que poderiam ser separadas. Os ricos que pagam pouco imposto deveriam pagar mais, uma questão de justiça tributária. Disso não decorre a isenção massiva do imposto para pessoas físicas. Seria possível ter ganhos com racionalização, fazendo uma correção honesta da tabela do IRPF, que os governos petistas não fizeram, e uma mudança nas alíquotas, eliminando absurdos como taxação máxima de 27,5% para quem ganha R$ 5 mil, por exemplo, e até criando alíquotas maiores para faixas mais altas de salários.

Os tributaristas recomendam que se taxe mais a renda que o consumo, e no Brasil, até a reforma tributária, tem se dado o contrário. O governo Lula entendeu a receita de forma muito peculiar, abolindo o pagamento de imposto sobre a renda da imensa maioria da população, em um país onde 40% da força trabalhadora é informal e programas especiais, como Simples, subtributam milhões de pessoas com boa capacidade contributiva. O governo ignora conscientemente a fragilidade fiscal do País. (Opinião/Valor Econômico)

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