Direita e esquerda “se beijam na boca” ao blindar corrupção, diz procurador

Passada mais de uma década da operação Lava Jato, que prendeu o presidente Lula em 2018, solto um ano e meio depois, quando veio à tona a comunicação entre procuradores e juiz, ela voltou à baila como argumento da defesa de alguns indiciados por tentativa de golpe de Estado. Isso foi visto, por exemplo, no processo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que será julgado pela Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) na próxima terça e quarta-feira, e do general Braga Netto.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, dois advogados de Braga Netto descrevem que “a repetição de padrões da Lava Jato é alarmante”, em referência ao processo conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. O procurador Roberto Livianu, do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) e presidente do Inac (Instituto Não Aceito Corrupção), diz que o paralelo traçado entre a tentativa de ataque à democracia e a operação, que foi “um marco divisório” na luta contra a corrupção, “é algo muito oportunista e muito leviano”.

“A acusação feita ao ex-presidente e a muitas outras pessoas é de crimes contra a ordem democrática. É importante ter clareza sobre a gravidade. Ah, não, aquilo foi uma arruaça da tiazinha do Zap, de não sei o quê.. Foi-se o tempo em que golpes eram dados com tanques na rua, bombas, né? Hoje, os autocratas conquistam o poder pelo caminho da democracia e ao terem nas mãos o poder, eles vão minando os pilares democráticos por dentro. E assim praticam crimes contra a ordem democrática e é essa acusação que foi feita ao ex-presidente e isso será examinado nos próximos dias 25 e 26.”

Hoje, 11 anos após o início da operação, ele mantém a avaliação de que a Lava Jato “foi um divisor de águas” no enfrentamento à corrupção, porque uniu várias instituições em um trabalho conjunto, e de que ela teve “muito mais acertos do que erros”, ao expor o esquema milionário das diretorias da Petrobras junto aos partidos políticos. Paradoxalmente, a Lava Jato teve seus instrumentos fragilizados pelo ex-presidente Bolsonaro e o combate à corrupção -que encabeçava as prioridades do brasileiro desde 2013- foi perdendo protagonismo na sociedade.

“A Lava Jato teve uma intenção, de combater a corrupção de grosso calibre. A leitura que eu faço é que cometeu muito mais acertos do que erros, e quem deve fazer a apreciação de condutas do ponto de vista ético são os órgãos de controle, não sou eu.”

Em entrevista, Livianu diz que em 2025 todas as correntes políticas têm agido juntas para enfraquecer a transparência e o uso correto do dinheiro público no país, como no caso das emendas parlamentares.

Para o procurador, esquerda e direita “se beijam na boca” para sucatear o combate à corrupção, mencionando especificamente o projeto de resolução, aprovado no dia 13, que promete mais transparência para direcionar as emendas, mas dá brecha para esconder seus autores. O projeto foi aprovado por 361 votos a 33.

Com a nova resolução, a briga no Supremo já recomeçou. Segundo o novo texto, os líderes de partidos vão assinar as indicações feitas pelos parlamentares por meio das bancadas partidárias, mas sem identificar os autores de cada pedido.

Livianu diz que a soma do patrimonialismo e o compadrio político segue intacta no Brasil. “Parece que nós estamos vivendo ainda nos tempos das capitanias hereditárias”.

A falta de clareza, porém, cria o terreno fértil para a corrupção, bandeira que elege inclusive parlamentares no Brasil, observa o presidente do Inac. Seria um contrassenso diante do discurso de ética dos políticos no Congresso.

Rescaldos da Lava Jato

Livianu vê com “preocupação” medidas recentes do STF, em especial do ministro Dias Toffoli, que anulou os processos contra o ex-ministro Antonio Palocci e uma série de decisões baseadas na delação premiada da Odebrecht, entre outras medidas. Para ele, o remédio para esses problemas é reduzir, no Supremo, o número de decisões monocráticas, ou seja, que são tomadas por um só ministro.

“Nos anos de 2023 e 2024 nós tivemos mais de 80% das decisões emanadas pelo Supremo de natureza monocrática. Me parece que esse número, por si só, é um número que deve inspirar preocupação por parte da sociedade, no meu ponto de vista. Tribunais são organismos dentro da visão completa do sistema de Justiça, nos quais se espera decisões colegiadas.” As informações são do portal Uol.

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