Anistia

Entre as facções da direita e do bolsonarismo está desfraldada a bandeira da anistia, em favor dos manifestantes da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023.

Não se trata de um movimento nacional, como foi a campanha da anistia nos anos 70 do século passado. A rigor, quem pede o benefício é o bolsonarismo, uma vez que se forem anistiados “os patriotas” do 8 de janeiro, então estará aberta a porta para que Jair Bolsonaro possa ser também beneficiado, e desse modo disputar o pleito presidencial de 2026.

Trata-se portanto de uma anistia de ocasião, diferente da de 1979, que se deu no âmbito do arranjo político que pôs fim ao ciclo autoritário de poder – o movimento militar, a ditadura de 1964, ciclo esse que viria a se completar em 1985.

Aquela anistia era para botar uma espécie pá de cal nos episódios dramáticos que perduraram durante 20 penosos anos desde 1964. Era para ser ampla, geral e irrestrita, e recíproca entre as partes em conflito, o estamento militar e seus aliados civis de um lado, e o restante da sociedade, de outro. Um arranjo possível.

Mas a anistia ora aventada é outra coisa. É cedo para conceder anistia aos envolvidos, indiciados, réus, ou nos casos em que não se esgotaram todas as instâncias de julgamento. Falta-lhe a aprovação ampla, maciça da sociedade: o apoio de uma só facção é suspeito, atuando em causa e interesse próprio, ainda mais sendo aquela comprometida até a medula com o golpismo de 8 de janeiro.

O Brasil está fragmentado, em convulsão, sedento de mau querer e de ódio. É pouco provável que a anistia devolva ao país um clima de mútuo respeito entre as forças rivais que se opõem.

É completamente falsa a narrativa de que os manifestantes de 8 de janeiro eram apenas patriotas zangadinhos, velhas senhoras idealistas, no máximo inocentes úteis, protagonistas de uma aventura desmiolada. Gente pacífica – porém capaz de arrombar portas, quebrar vidraças e vandalizar prédios públicos. Eles podiam ignorar as consequências dos seus atos, mas sabiam muito bem que, quando escalaram as rampas e depredaram os prédios ao redor da Praça dos Três Poderes, o que estava em jogo era impedir a posse do governante eleito em 2022.

A data de 8 de janeiro de 2023 marca a mais insólita e temerária incursão golpista e, por mais que neguem, a demonstração cabal da intenção de ruptura da ordem democrática. É bom lembrar que da trama conspiratória sempre fez parte o armamento da população como política de Estado e os malsinados acampamentos ao redor dos quartéis.

Os inquéritos, os processos em curso têm o defeito de serem intermináveis, de sentenciar penas draconianas aos culpados, ou assim considerados. Acho justo e até necessário contestar. Mas não dá para passar o pano no fato de que dizem respeito a uma gravíssima ameaça ao estado de Direito, à democracia. Se os “patriotas” tivessem levado a cabo as suas intenções, o Brasil estaria amargando uma nova ditadura.

Penas menores para os “patriotas”? É defensável. Anistia? É preciso dar um tempo, um bom tempo, e nunca uma anistia geral – exclua-se dela chefes, comandantes, os cabeças do golpe, que todos sabem quem são.

(titoguarniere@terra.com.br)

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