Rogério, vítima da enchente, completa oito meses no seu ‘chalé’, mas acredita em vida melhor

Rogério Castro se estabeleceu na rua Mata Bacelar, bairro Auxiliadora, no início das enchentes de maio. Está completando quase oito meses no local sem incomodar ninguém. Não pede nada. Tem uma pequena renda, que o ajuda a sofrer as agruras desta sua vida nômade de extrema pobreza. Montou um barraco com restos de obras e só vai ampliando para se proteger das chuvas, ventos, calor, mosquitos. Tem telhado de alumínio jogado fora, cadeiras e recebe doações gerais. Até ganhou uns ferros velhos, onde montou uma churrasqueira, e algumas velhas panelas onde faz o seu churrasquinho com salsichões e carne que ganha de alguns vizinhos. O seu barraco está cheio de garrafas de água. É deste ‘manancial’ que se lava e faz uma higiene pessoal, sempre à noite, para não provocar reclamações.

Está preparado para fazer a sua festa de Natal pessoal, ao lado da sua fiel companheira, a cadelinha Judite, que não o abandona de jeito nenhum há mais de cinco anos. “Ela dorme de dia e de noite fica vigilante. Qualquer aproximação de gente maldosa ou mal-intencionada ela late furiosa e espanta. Ela é uma segurança especial e uma companheira incondicional que tenho. Para enfrentar insetos, uso aqueles velhos boa noites, que vão queimando em espirais. A queima é feita sem chamas e a fumaça que se desprende repele os mosquitos em ambientes fechados. Tomo cuidado para não causar problemas e, assim, espantar os pernilongos”, diz, conformado com o seu momento.

Carne de porco

No Natal, pretende ver se consegue um pedaço de carne de porco ou um panetone para festejar e ver ou escutar alguma coisa da alegria da festa dos moradores da região. Se dá bem com todos. Conhece os nomes de vários deles, de tanto que passam por ali. Alguns chegam a parar para bater um papo, perguntar como estão as coisas e ver se há alguma necessidade urgente. Rogério tinha um velho celular que comprou de “umas oficinas dessas” que existem por aí. Barato. As últimas chuvas o deixaram incomunicável. O telefone caiu na água ou pegou chuva. Perdeu os contatos. Mas espera recuperar o chip e ver se coloca em outro aparelho.

Não tem esperança de sair do local tão cedo, mas se mostra otimista. Rogério acha que as autoridades andam muito ocupadas, mas, por enquanto, não se sente desamparado, mesmo com toda a penúria da sua vida de cidadão. Acha que lá por março vai ganhar um teto social, onde possa viver mais sossegado e com mais conforto. Já está tratando do assunto. “Tinha meus contatos na prefeitura para ver estes casos, mas agora perdi o telefone e não sei se recupero o chip para recontatar as pessoas. Acho que uma hora dessas minha vida vai dar uma guinada. Só quem não me abandona é a Judite. Ela ganha tanta comida por aqui que até engordou”, garante.


“Ninguém mais se queixou da bagunça que existia ali depois que me mudei para cá” / Foto: Eugênio Bortolon

Raramente sai do seu “chalé”, como chama o seu casebre. Dá umas voltas pelo bairro, vai ao super comprar alguma coisa, arejar e ver o movimento das ruas. Naquele local, onde está o seu barraco, há muita calma. Diz que até a sua miséria é vítima de bandidos. “Deve ter gente pior que eu. Me roubaram uma jaqueta, dois velhos lençóis, meu isqueiro e até umas panelas. Só não roubam o seu parco dinheirinho e seus documentos, porque leva sempre consigo. “Até uma coleira da minha cadelinha roubaram. Que tipo de gente é essa?”, indaga, indignado com os rumos das coisas.

Concerto

No sábado, dia 21, pensou em ir a um concerto de Natal que estava se realizando nas proximidades. Desistiu na última hora. Imaginou que teria perdas e danos com a sua moradia se ela ficasse abandonada e pelos barulhos de fogos para Judite. “Ela não fica muito assustada, mas aqueles rojões poderiam apavorá-la. Os cães têm ouvidos perfeitos e sofrem com estes sons fortes demais.”

Rogério Castro tem 56 anos. Não tem nenhum humano na sua vida, desde que abandonou o bairro Areal em Pelotas há muitos e muitos anos. Se desentendeu com os irmãos depois da morte dos pais e foi para o mundo viver a sua solidão. Não soube mais nada dos Castros do seu passado. Tinha uma mulher chamada Sônia que também morreu há muitos anos. E um filho, que foi para São Paulo e nunca mais o procurou. Nada sabe dos rumos dele.

Rogério foi retratado pelo Brasil de Fato RS no dia 14 de outubro, com toda a sua história e trajetória. Desde lá está na mesma. Fomos lá para ouvi-lo novamente e ver se alguma coisa havia mudado. A sua cara não é de tristeza. É de conformismo. Diz que o destino dele foi este e pronto, mas no fundo do seu coração acredita que um dia vai tudo se encaixar para melhor. Só acha que não tem todo tempo do mundo para esperar. “Estou envelhecendo”, diz. Negro, cabelos embranquecendo, mas diz humildemente que sempre está limpo e procura ser simpático e sociável. Revela que a sua Judite toma banho todos os dias, não tem pulgas e nem qualquer doença. “Tudo, menos sujeira”, garante. Prova disso que a sua primeira tarefa do dia é varrer a calçada e não deixar nada de lixo fora dos dois contêineres que está perto. “Ninguém mais se queixou da bagunça que existia ali depois que me mudei para cá.”

Morou, desde a fuga de Pelotas, em Viamão, no Parque dos Maias e na rua Bento Gonçalves (“era muito barulhenta e cheia de ladrões”) e que sempre vota. Lembra que já votou no Eduardo Leite para governador, que é da sua terra, mas para prefeito preferiu não comparecer no local de votação.

Gosta de conversar sobre tudo. É um teórico que analisa qualquer coisa do mundo com a sua ótica pessoal. Tem sempre suas lógicas para explicar qualquer coisa que se pergunte a ele. Afirma conhecer bem as suas condições, sabe exatamente da sua miséria, do seu canto, conforme fala, mas diz, com convicção que nada o impede de sonhar em buscar uma coisa melhor. “Não abandono a minha fé de jeito nenhum”, encerra o papo.


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