Injustiça climática, corrupção na gestão de resíduos sólidos e racismo religioso são denunciados em seminário do FSM

A mesa temática Colapso climático, a COP 30 e os desafios dos movimentos socioambientais do Seminário Internacional Democracia, Equidade e Justiça Socioambiental – combater o fascismo, as desigualdades e o racismo socioambiental ocorreu na última terça-feira (21), no Centro de Educação Ambiental do bairro Bom Jesus, zona Leste de Porto Alegre (RS). A atividade foi coordenada pelo Fórum Social Mundial (FSM) – que celebra 24 anos em 2025.

Participaram dos debates os movimentos dos catadores e catadoras de Porto Alegre, Levante Popular da Juventude, União Nacional dos Estudantes (UNE), Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM), MCB Viamão, Conselho dos Povos Tradicionais de Matriz Africana de São Leopoldo, mães e pais de santo, assessores da deputada Daiana Santos (PcdoB) e comunidade. As palestras foram ministradas por Babá Diba, Íyá Cláudia Chu, Kuty Kaigang e Li Rassier Paula Medeiros, com mediação de Lucimar F. Siqueira e Cris Medeiros.

Temas como as enchentes de 2024 e a PPP (Parceria Público Privado) da gestão de resíduos sólidos pautaram as discussões do encontro. De forma unânime, os participantes defenderam que os catadores, as catadoras e toda a periferia devem estar no centro dos debates da gestão dos resíduos sólidos e das questões climáticas – o primeiro grupo por trabalhar diretamente e ter um melhor conhecimento sobre o assunto, e o segundo por ser a população mais impactada pelos desastres climáticos.


Temas como as enchentes de 2024 e a PPP (Parceria Público Privado) da gestão de resíduos sólidos pautaram as discussões do encontro / Foto: Daniel Barros

Os representantes da UNE defenderam “decretar emergência climática já”, para que medidas sejam tomadas e que passem a dar a atenção devida ao tema. Já o Levante da Juventude defendeu uma “gestão de resíduos sólidos participativa, com economia circular”, para combater as injustiças climáticas e sociais.

Falando em justiça climática, o grupo listou: reconhecer que os impactos das mudanças climáticas afetam de forma desproporcional as populações mais vulneráveis, dividir de forma mais justa os investimentos e responsabilidades no combate às mudanças climáticas, salvaguardar os direitos das pessoas mais vulneráveis, compartilhar os fardos e benefícios das mudanças climáticas de forma equitativa e justa.

Sobre economia circular, explicam como um modelo de produção e consumo que visa reduzir o uso de recursos finitos e reutilizar ou reciclar produtos. O objetivo é conciliar o crescimento econômico com a sustentabilidade e o bem-estar da sociedade. Dessa forma, a participação dos catadores e das catadoras é dada como fundamental para que essas medidas sejam construídas de forma justa.

Representantes das catadoras e dos catadores de Porto Alegre demonstraram preocupação quanto ao projeto da PPP da gestão dos resíduos sólidos. “Querem privatizar o gerenciamento dos resíduos sólidos e com um contrato de 35 anos. E a empresa que vai fiscalizar será escolhida pela empresa que fará essa gestão dos resíduos”, contaram. “Nós (catadores e catadoras) ficamos de fora desse debate, da construção desse edital. A periferia ficou de fora da tomada dessa decisão. Aliás, o edital foi formulado por uma empresa, nem a Prefeitura trabalhou nele”, apontam.

Entre as insatisfações com o projeto, foram destacados o longo tempo de concessão e que pode ser renovado, a empresa não ser brasileira e também deter todas as informações sobre o processo e gestão dos resíduos na cidade. “Eles vão saber tudo, todos os processos. Depois, como voltar essa gestão para as cooperativas? Provavelmente eles vão aumentar a taxa para esse tipo de serviço. Como saber se a taxa é abusiva ou não? Só eles terão as informações do que é feito, quanto é investido”, disparam as catadoras.

Representantes do Levante da Juventude completam, “o valor desse contrato é bilionário e pode haver reajuste. O dinheiro virá dos cofres públicos. Vamos assumir mais uma dívida”, lamentam.


“O valor desse contrato é bilionário e pode haver reajuste. O dinheiro virá dos cofres públicos. Vamos assumir mais uma dívida” / Foto: Daniel Barros

As catadoras convocaram a população a participar desse debate. “Sempre que se fala em resíduos sólidos a mobilização fica a cargo dos catadores e catadoras. Recai todo o trabalho para poucas pessoas e deveria ser um trabalho de todos”, completam.

Racismo, intolerância religiosa e injustiça climática


As questões discutidas no encontro devem integrar um documento que será dirigido para a COP 30, que ocorrerá em novembro deste ano, em Belém do Pará (PA) / Foto: Daniel Barros

Em um segundo momento da reunião foi a vez das mães e pais de santos contarem sobre como o racismo estrutural contribui para as injustiças climáticas e como o conhecimento dos terreiros pode contribuir com a preservação do meio ambiente e controle das mudanças climáticas. Foram diversas as histórias sobre perseguição religiosa.

“As pessoas enxergam o que querem enxergar nas religiões afro. A matança da galinha preta na macumba choca, o extermínio do povo preto e periférico não. A matança da galinha em alguns ritos foi parar até no TJ, a matança das pessoas pretas nunca virou nem pauta”, pontuam.

Os religiosos e as religiosas pediram uma atenção mais humanizada e menos racista para os terreiros. “Precisamos criar um protocolo de abordagem policial a terreiros. Nenhum terreiro consegue tocar seus tambores sem espiar pela cortina para saber se a polícia está chegando para acabar com tudo e como farão isso. A polícia já deu voz de prisão até para orixá na Bahia”, todos riram.


Participantes defenderam que na reforma universitária, os conhecimentos dos terreiros e dos povos indígenas sobre preservação ambiental deverão ser contemplado e estudados / Foto: Daniel Barros

“O racismo religioso é uma face, talvez a mais perversa do racismo estrutural. Querem tirar o nosso sagrado. Querem tirar tudo de nós. O camburão é o novo navio negreiro, que machuca, tortura, coloca em cárcere”, denunciam. Eles também lembraram que 21 de janeiro, data da reunião, é o Dia Nacional de Combate ao Racismo Religioso.

As mães e os pais de santo ainda informaram que muitos terreiros continuam inativos por conta das enchentes. Ainda há muitos estragos e pouca assistência por parte do poder público. “A defesa dos terreiros é fundamental. Quem cuida da limpeza, dos cuidados com a natureza, da reciclagem, também são os terreiros”, finalizam.

Representantes da UNE defenderam que os conhecimentos dos terreiros, dos indígenas, que são passados de forma oral, sejam inseridos em um documento físico, escrito, e que sejam transmitidos, estudados e contemplados pela reforma universitária, para que se possa reverter alguns impactos ocasionados pelas mudanças climáticas.

Os povos de fé também lembraram que os desastres climáticos são oportunidades de capital. Reconstruir cidades, municípios, instalações vira negócio. Eles defendem assim que a periferia, os povos indígenas e de terreiros devam estar no centro das discussões sobre a gestão dos resíduos sólidos e das catástrofes climáticas. E lembram, “se a terra morre, você morrerá com a terra. Muitas coisas não vêm do céu, elas vêm da terra”, encerram.

De forma pouco otimista, o encontro finalizou com a provocação, “se preparem para mais uma enchente em Porto Alegre e região”, afirmam.

As questões discutidas no encontro devem integrar um documento que será dirigido para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), que ocorrerá em novembro, em Belém do Pará (PA).


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