Entenda como a masculinidade tóxica tem ganhado impulso na internet e influenciado jovens

Expressão que define comportamentos negativos associados ao homem no sistema patriarcal (machismo, assédio etc.), a “masculinidade tóxica” tem crescido na internet. O fenômeno é atribuído a fatores como a atuação de influenciadores online que propagam esse tipo de visão, em um cenário impulsionado pelo ressurgimento de ideologias de extrema direita e reações ao feminismo.

Em março, um homem de 26 anos foi preso no Reino Unido por matar sua ex-namorada, sua irmã e sua mãe com uma besta e uma faca. A investigação mostrou que o triplo feminicida, Kyle Clifford, havia assistido a vídeos do autoproclamado influenciador misógino Andrew Tate, horas antes de cometer os crimes.

Tate tem mais de 10 milhões de seguidores no X e é popular entre os jovens na plataforma, na qual ele compartilha sua visão violenta da masculinidade. Se foi banido do Instagram e do TikTok por suas tiradas misóginas, sua conta no X foi restaurada por Elon Musk quando ele comprou a plataforma em 2022.

Agora, a figura britânica-americana do movimento masculinista online deixou a Romênia para os Estados Unidos com seu irmão Tristan, apesar de enfrentar acusações de estupro e tráfico de pessoas em Bucareste. Os dois irmãos, apoiadores declarados do presidente dos EUA, Donald Trump, estão agora na Flórida, onde uma investigação criminal foi aberta contra eles.

De acordo com Jacob Johanssen, professor associado de comunicações na St Mary’s University em Londres, houve “uma normalização da misoginia, cultura do estupro e violência contra mulheres e meninas”.

A ascensão da chamada “manosfera” – composta por fóruns e comunidades online que promovem o masculinismo e a misoginia – está “intrinsecamente ligada ao crescimento do populismo de direita em muitas partes do mundo”, disse Johanssen à agência internacional de notícias AFP.

Alienação

Com a ofensiva do presidente norte-americano Donald Trump contra as políticas de diversidade e inclusão, aclamada por políticos de extrema direita em vários países, a retórica “anti-woke” está ganhando terreno. Em janeiro, o fundador e presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, pediu um retorno à “energia masculina”.

“O que estamos vendo é uma nova dinâmica”, analisa Joshua Thorburn, candidato a doutorado na Universidade Monash da Austrália e que pesquisa misoginia na internet e redes sociais. Ele acrescenta que agora há “mais visibilidade” para tais ideias.

Enquanto alguns pesquisadores feministas há muito alertam sobre uma iminente reação conservadora contra os avanços nos direitos das mulheres, especialistas entrevistados pela AFP apontam para uma crise na masculinidade:

“Vivemos em um mundo instável e precário e os homens, assim como todos os outros, enfrentam muitos problemas hoje. Eles se sentem alienados”.

É aí, dizem os especialistas, que entra a manosfera, com seus fóruns online e canais do YouTube. “As diferentes comunidades na manosfera funcionam como grupos de autoajuda para homens, onde eles podem discutir questões como saúde mental, vulnerabilidade ou solidão”, prossegue disse Johanssen. “Ao mesmo tempo, esses espaços também contêm discussões muito tóxicas sobre misoginia e sexismo.”

De acordo com Thorburn, uma grande parte do conteúdo da manosfera também “se relaciona a coisas que muitos jovens podem estar procurando online, como conselhos sobre namoro, saúde e condicionamento físico e conselhos financeiros”:

“Um jovem ou adolescente pode não estar explicitamente procurando por conteúdo misógino quando encontra pela primeira vez o conteúdo de um influenciador da manosfera ou uma comunidade da manosfera”.

A AFP falou com um londrino de 15 anos chamado Alistair, estudante de Ensino Médio e que admite gostar desse tipo de conteúdo. Ele é fã do canal do YouTube e do podcast FreshandFit, que se descreve como dedicado ao “autoaperfeiçoamento masculino”.

No entanto, além de vídeos sobre como atingir os músculos dos sonhos, outros segmentos discutem por que “as mulheres são tão hipócritas” ou por que homens e mulheres “nunca poderiam ser iguais”. Alistair, que também é fã de Andrew Tate, não vê nenhum problema. “É sobre esporte e como ter sucesso na vida. Que mal há nisso?”, questiona.

Nas últimas semanas, a série de televisão britânica “Adolescence” ganhou elogios por explorar o assunto por meio da história de um garoto de 13 anos que assassina uma colega, influenciado pela misoginia online. Os roteiristas disseram que foram inspirados por vários eventos da vida real e esperavam que o programa pudesse ajudar o público a entender como meninos e jovens são influenciados pela manosfera.

Em um discurso na quarta-feira, o ex-técnico de futebol da Inglaterra Gareth Southgate criticou influenciadores “tóxicos” que “enganam os jovens a acreditar que o sucesso é medido por dinheiro ou domínio… e que o mundo, incluindo as mulheres, está contra eles”. (com informações de O Globo)

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