Sementes tradicionais e trabalho coletivo são resgatados em Panambi e Condor

O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) tem se dedicado a fomentar a utilização de sementes tradicionais através de diversas ações em todos os estados onde está presente. Produzir alimento sem veneno e sem insumos químicos, dentro dos procedimentos indicados pela Agroecologia, tem se tornado uma das principais “bandeiras” do movimento social que tem como palavras de ordem a frase: “Quem alimenta o Brasil Exige Respeito”.

Dirigentes do MPA nos municípios de Panambi e Condor, contando com a participação de aliados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) tem apresentado boas notícias sobre este tema, não apenas fazendo referências às sementes crioulas, mas também resgatando costumes de trabalho coletivo entre companheiros e companheiras de classe, os tradicionais “mutirões”.

Os cultivos de arroz nas pequenas unidades produtivas camponesas enchem os olhos de quem vê. E os relatos de seus protagonistas são feitos com alegria, aquele brilho no olho que só é capaz de expressar quem gosta daquilo que faz e faz porque acredita. A “causa”, como sinaliza o agricultor Pedro Kunkel, move a base do movimento. São pequenos agricultores camponeses que aos poucos vão descobrindo sua força através da união.

“Aqui nós trabalhamos entre oito famílias, sempre juntos, já estamos nos preparando para a colheita que também vai ser coletiva, em regime de mutirão”, aponta Jorge Antonio de Matos, na linha Fiuza, mostrando as lavouras onde plantou arroz das variedades Amarelão, Cateto, Agulinha e Criolão. “É uma produção 100% orgânica, plantado com saraquá, carpido a enxada, cuidado com muita dedicação e carinho”. Matos demonstra satisfação ao contar que quando alcança um punhado de arroz produzido dessa forma, sabe que não está compartilhando apenas um alimento agroecológico de excelente qualidade, mas também um alimento impregnado de boas energias emanadas pelas mãos dos camponeses e camponesas que dedicaram tempo e afeto naquele cultivo.

Um parêntese necessário no texto para relembrar: Recentemente o trabalho coletivo realizado na região rendeu frutos de solidariedade. O Brasil de Fato RS noticiou em meio a tragédia das enchentes que atingiu outros territórios do estado com extrema gravidade, a iniciativa espontânea dos camponeses e camponesas da região de Panambi em se reunir para produzir coletivamente mudas de batata-doce que depois foram enviadas para os companheiros e companheiras de classe nas regiões do Vale do Rio Taquari e Vale do Rio Pardo para auxiliar na retomada da produção de subsistência. “A solidariedade do camponês é ativa, é militante, ele pode não ter muito, mas sempre está disposto a dividir o pouco que têm com seus irmãos e irmãs de luta que estão em um momento de maior necessidade”, aponta Marlene Padilha. Foram 5 mil mudas produzidas e compartilhadas através da Missão Sementes de Solidariedade.


Quando o serviço é feito em regime de mutirão, além de render mais, se transforma em um momento de integração / Foto: Corbari

De volta aos plantios de arroz, ainda na Linha Fiuza, uma visita na lavoura dos Petry. Mostrando a variedade de arroz chamada popularmente de “amarelão”, Vanderlei Miguel Petry explica que o papel do camponês também é de ser um pouco cientista: “Estamos fazendo um teste com esse arroz, verificando como ele se desenvolve, as condições para esse desenvolvimento e a capacidade de produção”. Agradecendo a ajuda dos vizinhos e amigos no cultivo, ele afirma que o caminho para os pequenos é um não soltar a mão do outro, seja na hora de reivindicar seus direitos, seja na hora de colocar as mãos na enxada ou na foice para o roçado.

Em Condor, na localidade de Divisa Pontão dos Bueno, o trabalho é familiar. Vizinhos e companheiros de classe foram acompanhar a visita da reportagem do BdF e também conhecer o plantio de arroz mantido pelos Agertt. Com orgulho e alegria eles mostram a roça onde o arroz está vindo forte e contam que o objetivo maior é a alimentação da própria família e a preservação das sementes. Se houver excedente, aí sim vai se organizar a venda para outros parentes e amigos. “Não tem nem como comparar a comida que vai pra mesa quando ela é produzida pela gente, a prioridade é sempre a saúde, comida boa para ter boa saúde”, relata seu Nelson Agertt, o patriarca da família, que já está beirando os 90 anos e olha para o futuro com muita energia para realizar projetos e sonhos.

Nilson, o filho que toca a roça de arroz dos Agertt, explica que o trabalho é duro, mas vale a pena: “Aqui é assim, tudo o que podemos produzir a gente produz, só busca no mercado o que não tem como fazer por aqui mesmo”. Para fortalecer o trabalho, a receita que o agricultor indica é a união. “Temos que somar forças, entre amigos, vizinhos, família, se a gente se ajudar fica mais simples de produzir.” As sementes tradicionais, que haviam se perdido na localidade, parte veio da Casa de Sementes Mãe Terra e parte veio do produtor parceiro, Eliseu Levulis, de Seberi. Ali estão plantadas as variedades Amarelão e Branco Baixinho.

Na Linha Gramado, o mutirão foi formado para ajudar a lidar no feijão e já está também a serviço da limpeza da roça de arroz. “Estamos aí, produzindo 100% orgânico, insistindo e vendo como vai acontecer a produção”, garante o agricultor André Girardi. “É um arroz diferenciado, ainda estamos comento o que foi colhido no ano passado”, explica, mostrando que as plantas da variedade Cateto já estão altas e prometem um bom volume de produção se não faltar chuva. “O objetivo é produzir para a família e demais participantes do mutirão, visando garantir também a continuidade da semente, de colher e passar a semente do arroz orgânico adiante, para outros produtores.”


A família Agertt mostra sua planta de arroz e incentiva quem passa pela unidade produtiva a também produzir alimento agroecológico / Foto: Corbari

O desafio na produção agroecológica é também a integração do espaço produtivo com o meio ambiente a sua volta, evitando gerar agressão e sempre que possível promovendo a recuperação de áreas degradadas. Nesse aspecto todas as unidades produtivas visitadas valorizam e cuidam de seus cursos de água. Sejam pequenas fontes de água pura que brotam no meio da mata preservada e tem a água utilizada para consumo humano, descendentação de animais e irrigação dos plantios – como no caso dos Matos e dos Petry –, seja com o armazenamento de água em açudes – como no caso dos Girardi – ou ainda tendo um curso de água mais volumoso – como acontece com os Agertt que tem a propriedade costeada por um rio.  

“Quando a natureza é respeitada ela retribui através de seus dons, a mãe terra faz a sua parte acolhendo as sementes em seu ventre para garantir a fertilidade, enquanto a irmã água percorrendo seus cursos através dos rios e arroios regando os plantios como uma espécie de sistema sanguíneo que vai percorrendo os territórios e hidratando o chão para que a brotação aconteça”, relatou Pedro Kunkel em uma participação na Festa da Semente Crioula, quando levou a mensagem dos Guardiões e Guardiãs de Sementes, alguns anos atrás. “Quando a natureza se revolta e as águas ficam agitadas, quando acontecem as enchentes, quando as chuvas vêm de forma descontrolada, ou ainda o contrário, quando os cursos dos rios e arroios secam, quando a chuva escasseia, devemos observar que não é a natureza que está contra nós, mas sim está reagindo às ações que a humanidade está praticando contra ela”, reflete.

Nesta altura sempre haverá quem diga que o trabalho do campesinato produzindo alimento e preservando a natureza é muito bonito, mas também é muito penoso. “É difícil sim, é cansativo, precisa ter insistência, resistência, mas quando chega a hora de colher e de levar o alimento pra mesa a gente sabe que valeu a pena.”

De todos os entrevistados vale registrar duas demandas apresentadas: que os governos olhem com mais cuidado para as demandas dos pequenos, dos camponeses e camponesas que produzem no sistema agroecológico, pois o futuro depende da comida que sai dali, da terra bem cultivada e da natureza bem cuidada, e que, por fim, se viabilize o desenvolvimento e acesso a tecnologias de cultivo que possam ser integradas ao sistema produtivo agroecológico sem desvirtuá-lo, suavizando o trabalho e potencializando a produção.


Máquina de bater cereais foi uma conquista coletiva dos camponeses e camponesas / Foto: Corbari

Em algumas instâncias esses apelos têm sido ouvidos. Como aconteceu recentemente com um projeto coletivo viabilizado através de emenda parlamentar do deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS). O recurso empregado serviu para destinar máquinas de beneficiamento de cereais para diversas localidades, contemplando necessidades de diferentes segmentos de agricultores camponeses, familiares e assentados da reforma agrária. Uma fração deste projeto beneficiou os grupos de Panambi e Condor e a máquina já está sendo colocada em uso para beneficiar as colheitas de feijão, logo adiante servirá para o milho e com um pouco mais de tempo também vai servir para o arroz.

“Quando nosso pedido é ouvido e nossas necessidades são compreendidas, a gente consegue avançar coletivamente. Essa máquina vai contribuir muito com nosso trabalho, só temos a agradecer ao deputado e dizer a quem possa nos ouvir que olhe para o pequeno agricultor e apoie, nós não estamos pedindo nada dado, nós precisamos de apoio do governo e da sociedade para produzir alimento para todos, porque todos têm direito a ter alimentação saudável, sem veneno, servida na sua mesa”, finaliza Matos.


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